Um filme interessante e emocionante com um final dispensável que deita muito por terra.
Amnésia é, no geral, um filme intrigante que tem bastante sucesso ao colocar-nos na pele da personagem principal. Ou seja...quase conseguimos sentir a dor de Leonard ao longo do filme, porque nos sentimos tão perdidos como ele! Sentimos que mal podemos confiar em alguém porque tudo o que nos aconteceu antes pode ter sido causado pela manipulação de alguém. Tal como Lenny, o espectador só sabe que nada sabe, do início ao fim! Conseguir colocar o espectador num tal sentimento de fragilidade e de ignorância é um dos grandes feitos deste filme. Outra qualidade de destaque é o interesse de todo o mistério criado. Lenny tem muitas tatuagens, o que significa muitos mistérios. E cada dúvida implica um novo mistério. O que dá um agradável sabor de suspense. Deve ser tão bacana descobrir as histórias por trás de cada tatuagem...
...pois! Aí é que está o problema. O roteiro de Nolan não responde a 80% das perguntas. Já devíamos esperar isto de um director que parece gostar de finais ambíguos...mas isto é um pouco demais! O decepcionante final deste suspense faz com que todo o filme pareça, acima de tudo, um produto inacabado. Incompleto. Inaceitável para sair da fábrica, pois ainda não está pronto para ser vendido. É difícil descrever a sensação que o final dá...digamos que ver este filme é um bocado como ver uma versão do episódio de House M.D "A Pox on Our House" contada de trás para a frente, com a diferença de que o episódio começava com a morte do pai e acabava na cena em que House, por assim dizer, força a entrada na sala de isolamento. O resultado era semelhante: a história, uma vez por ordem cronológica, começava com uma peripécia (a descoberta de que House forçou a entrada na sala) e acabava com uma morte (a do pai), ao mesmo tempo que dezenas de perguntas eram rudemente deixadas por responder. O que seria um desperdício. E este filme é um pouco um desperdício de potencial. Tendo em conta o quanto o meio do filme envolve, o facto de não o continuarem desperdiça a oportunidade de intrigar muito mais. Ainda há tantas coisas para saber...quem pôs o penso for cima daquela tatuagem? Quais são os factos 1, 2, 3 e afins? Deixando tudo isto por responder, o final faz o filme parecer uma pedra lascada. Que ainda não foi polida, portanto...
Mas nem é esse o principal ponto em que o roteiro falha. Acima de tudo, Nolan não dá ao espectador aquilo que é das melhores coisas que o cinema nos costuma dar: a omnisciência! Uma das melhores coisas ao ver um filme é termos acesso a mais informações do que as personagens. No fim de contas, só o espectador vê a pintura no seu todo e pode contemplá-la por completo, enquanto algumas personagens só vêem partes dela. Além disso, a omnisciência é um desejo básico do ser humano. Já é cruel o suficiente que nos tenham posto neste planeta sem sabermos se a morte é para sempre, se vamos reencarnar sem parar, se os universos paralelos existem...é uma dúvida tão vil que é capaz de levar pessoas à insanidade! E já levou...e agora até nos filmes nos negam a omnisciência?! Caramba, já não temos injustiça que chegue? Agora os filmes frustram-nos esse desejo tão primário? Deixando um semelhante vazio no nosso peito? No mínimo, desagradável. Num filme que já pode transmitir sentimentos tão desagradáveis como a paranóia e a total impotência, negar-nos o prazer das respostas é uma atitude quase insensível.
É por razões como estas que não gosto dos finais ambíguos de Nolan. São como que um golpe baixo, que trazem ao de cima a nossa fragilidade e lhe dão um pontapé! E não nos concedem o favor pelo qual o nosso íntimo suplica com um empenho quase louco. Agora...é certo que, aquando do primeiro visionamento, o filme é bem interessante. Mas o final muda - para pior - toda a perspectiva em relação ao longa, assim como aqueles filmes que no final revelam que tudo era um sonho. Estas opções podem acrescentar riqueza aos filmes em questão, mas é quase inegável que mudam fortemente a maneira como uma pessoa percepciona o filme. O que pode sair bem ou mal. Neste caso, saiu um pouco mal.
Por isso, sr. Nolan, sugeria-lhe humildemente que desistisse deste tipo de finais. Frustrar assim um desejo tão básico de um ser humano é um tanto ou quanto rude.
A minha perspectiva sobre a verdade no filme
E agora, como diz o subtítulo, eis a minha perspectiva sobre a verdade no filme. Sim, porque assumo que poucos cinéfilos "possam" comentar o filme sem dar a sua. Alguns podem não achar relevante, mas eu acho que faz toda a diferença saber aquilo em que o outro acreditou. É tão relevante como perceber as diferentes perspectivas da vida que têm um religioso e um ateu. Avancemos...como de certa forma já disse, a minha principal perspectiva é de que não podemos saber rigorosamente nada sobre a verdade. Não podemos saber se a mulher de Lenny morreu, quem a matou, o que é que Teddy, Natalie e Jimmy têm a ver com o assunto nem nada disso. O filme apresenta-nos poucas informações e o máximo que temos para pensar sobre quem são os bons e os maus são as poucas atitudes destas personagens. Tal como na vida, há alturas em que penso no assunto e quanto mais penso, mais me convenço que não posso ter certeza nenhuma. Ou seja: quanto mais sei, mais me convenço que não sei nada. Assim como muitos filósofos com raciocínios lógicos. Por falar em filósofos...é uma citação óbvia, mas Sócrates já dizia: "Só sei que nada sei.". Sim, é basicamente essa a minha opinião sobre a verdade deste filme.
Mas se eu tivesse MESMO de dizer aquilo em que acredito dentro da verdade do filme, então eu diria...não acredito na exposição final de Teddy. Não é porque esta ocorre no "final" do filme que passa a ser verdade, não é? Já se provou ao longo do filme que Teddy, independentemente de ser bom ou mau, mente com quantos dentes tem na boca, por isso não confio nele para me dizer o que aconteceu. Assim como não confiei em Ethan quando ele disse que viu Lucy morta em Rastros de Ódio; ele também não me deu razões para pensar que era de confiança. Além disso, se Teddy estivesse a dizer a verdade e Lenny tivesse matado mais gente, seria pouco provável que o loiro não tivesse sido preso, pois ele não é subtil a matar. Quer dizer, além dos rastos que Lenny deixa, ele matou Jimmy com as suas próprias mãos e não usou luvas! Um criminoso tão descuidado não duraria muito, a meu ver. A não ser, claro, que um polícia o protegesse muito bem. Mas seria Teddy um polícia? Não sei se acredito nisso. Primeiro, duvido que um polícia estivesse numa "missão" tão perigosa sem ter apoio dos seus colegas. Segundo, se Teddy ajudava Lenny no seu tempo livre, de onde vem tanto tempo livre? E como é que ninguém da polícia desconfiava que o seu agente estivesse ligado a um homem tão perigoso e, possivelmente, fosse cúmplice de assassinatos? Não me parece que um polícia assim ficasse empregado por muito tempo. Mas aí vem o ponto...Terceiro: se Teddy não era polícia mas já tinha sido polícia, não só não devia conseguir proteger Lenny com tanta eficácia, mas também seria mais uma mentira para a lista de mentiras que Teddy diz ao longo do filme! Não, não confio em Teddy.
Depois, temos Natalie. Sendo ela uma personagem ainda mais misteriosa e intrigante que Teddy, o final de Amnésia deixou-me mesmo aborrecido por não ter esclarecido nada sobre Natalie. Pessoalmente, quando vi o filme pela primeira vez, fiquei com a sensação de que Natalie já estava a manipular Lenny há muito tempo. Talvez até há mais tempo que Teddy (!). O que é arriscado, porque uma quantidade generosa de pessoas que viram o filme consideram que Natalie é a uma das poucas pessoas que diz sempre a verdade até ao momento em que se enfurece. E, sim, há inúmeras evidências que apontam para isso. Porém, a meu ver, também há evidências do contrário, portanto Natalie também não é de confiança. Aliás, eu nem sequer estou convencido de que ela se chame Natalie...a meu ver, a única verdade que ela diz é "Eu vou usar-te!". Porque é que eu acho que ela faz desde o início. Mas enfim...as razões pelas quais eu acho que Natalie mente são bastante complicadas e serão expostas mais à frente deste comentário. Numa secção à parte, note-se, porque são todo um caso de estudo que não se aplica tanto ao resto do filme.
Adiante...esta é a minha impressão geral sobre as personagens que acompanham Lenny na sua jornada: a de que são pessoas mal-intencionadas a aproveitar-se da doença de um infeliz. Nem que seja porque a possibilidade de a pessoa X passar o dia com um homem que quer matar um ladrão e saber que qualquer pessoa o pode manipular, fazendo-o crer que a pessoa X é o ladrão é uma possibilidade bastante provável e perigosa. Alguém que se aproximasse tanto de um homem tão perigoso só podia a) ser mesmo muito amigo dele, b) não ter medo nem escrúpulos ou c) ter razões extremamente fortes para o fazer continuar a busca pelo assassino. Mas que razões fortes teria alguém para incentivar Lenny a praticar um acto tão, digamos, violento? Vontade de matar alguém, provavelmente. Matar alguém para se proteger a si próprio, talvez. Porque só uma razão tão forte como essa poderia levar uma pessoa a pensar que era mais perigoso não estar associado a um possível assassino do que...bem, do que estar! Assumo que, para a pessoa X, conviver com um assassino é menos perigoso do que não conviver com um assassino! E o que fazem os assassinos? Matam. O que poderia ser útil para a pessoa X, que poderia convencê-lo a matar um concorrente (opção b) ou então alguém que lhe poderia fazer mal (opção c) Bem...ou isso, ou é uma pessoa que está tão aborrecida com a vida que quer aquele tipo de "diversão" seja a que custo for. É uma atitude clássica do século XXI: pessoas que acham a vida tão vazia e desprovida de sentido que não se importem de entrar um situações perigosas para se sentirem vivos e não terem medo de morrer por acharem que vão morrer seja como for e não importa como nem quando (nota: não concordo com esta atitude. Respeito quem a tenha, de qualquer modo). Conclusão: ou são pessoas que querem matar alguém (o que, em muitas culturas, significa que alguém é mal-intencionado) ou pessoas que não querem saber da vida. Claro que o mundo não é só a preto e branco, mas estas duas possibilidades parecem-me as mais prováveis.
Sobre a história de Sammy e sobre a morte da esposa de Lenny é que não tenho opinião; o filme dá-nos zero testemunhas fidedignas que falem sobre esses assuntos. Zero. À parte disso, há quem diga (lê-se muitas teorias sobre este filme, hehe...) que o "easter egg" que se vê quando um médico passa por Sammy e vemos Lenny sentado no seu lugar por um segundo significa que Lenny é que está numa instituição para doentes mentais. Pessoalmente, não vou nessa. Eu vi o tal easter egg à primeira, por isso não creio que Nolan se tenha esforçado para o esconder. Portanto, acho que é uma cena para ser vista. Aliás, quando eu vi Lenny no lugar de Sammy, não interpretei como Lenny sendo o verdadeiro doente mental. Na verdade, achei que a interpretação era muito mais simples: a troca de lugares dos dois era só uma metáfora. Uma metáfora para dizer que Lenny estava tão perdido como Sammy. Se assim for, é uma metáfora boa e espertinha. Só Nolan sabe a mensagem que quis passar com a tal cena, mas foi assim que eu a li. Como uma simples metáfora, não como um foreshadowing importante. Mas isto sou eu.
Tenho também a teoria rebuscada de que o papel que Natalie dá a Lenny pode referir-se à prostituta e não ao homem que diz que se chama Dodd. É difícil, mas não impossível. E, de alguns pontos de vista, faz sentido. Já expressei esta teoria no fórum do Cineplayers, mas este comentário já está grande que chegue e não pretendo alongar-me muito mais, pois a prostituta não parece tão relevante para os acontecimentos como outras personagens.
Apêndice - a cena da fúria de Natalie
Esta cena, além de ser a principal responsável por eu não confiar em Natalie, deve ser a mais delicada do filme. É das mais incompreensíveis e aquela que mais põe em causa a lógica do longa. Há alturas em que penso nessa cena e reflicto o seguinte: "Se Natalie está a dizer a verdade, então o filme não faz sentido. Se Natalie está a mentir...o filme também não faz sentido!". O que soa absurdo, mas explicaria algumas coisas. Quem sabe se Nolan não se entusiasmou tanto a escrever o roteiro que perdeu o controlo e deixou que ele não fizesse sentido. Mas não sejamos tão extremistas; analisemos, então, a cena.
O que acontece é basicamente isto: Natalie entra em casa pouco depois de ter deixado Lenny a investigar. Está agitada e diz que Dodd a acusou de ficar com o dinheiro. Provas a favor: a existência de um homem chamado Dodd no filme, o facto de ele ter atacado Lenny e o dinheiro que Jimmy disse ter trazido. Natalie esconde as canetas, pragueja e pouco depois, volta à história: Jimmy foi ter com uma homem chamado Teddy (prova: Jimmy e Teddy estiveram no mesmo local a uma hora muito próxima) e levou dinheiro com ele (prova: Jimmy disse que tinha trazido dinheiro) e não voltou (prova: Jimmy foi morto por Lenny). Os sócios acusaram-na de não sei o quê...e depois Natalie muda de assunto e acaba a discutir com Lenny. Por fim, sai e quando volta diz que Dodd lhe bateu (o que pode provar que Natalie está realmente assustada e precisa que Lenny o mate). Até aqui, quase tudo parece plausível: a namorada de um negociante de droga levou um conhecido do seu namorado para sua casa e voltou nervosa porque um outro homem a acusou de fazer algo que não fez. Está a temer pela sua segurança e pede ajuda ao tal conhecido do seu namorado. Ela irrita-se com ele e decide usá-lo, aproveitando o facto de ele não poder escrever. Tudo relativamente lógico e lúcido, até agora.
E, no entanto...
Sim, "no entanto". Porque, da primeira vez que vi a cena e de seguida vi Natalie a receber bem Lenny na sua casa, fiquei convencido que ela já o estava a manipular há um tempo. Claro que, nessa fase do filme, ainda não há tantas provas a favor de Natalie - provas que eu expus no parágrafo anterior - o que pode levar muitos a não acreditar nela. Porém, mesmo depois de vistas estas provas, ainda há evidência suficiente para pensar que Natalie já conhecia Lenny há mais tempo. A principal é o facto de Natalie ter escondido as canetas ANTES de se enfurecer com Lenny, e não depois. Isso é extremamente sugestivo: aponta para a possibilidade de Natalie querer manipular Lenny ainda antes de perceber que ele não a queria ajudar. Ou seja, foi uma manipulação premeditada! Não espontânea! Isso implica que Natalie já tinha pensado nisso há um tempo. Mas há quanto tempo teria sido? Apenas nessa tarde em que conheceu Lenny? Parece-me rápido demais. A explicação mais lógica é que Natalie já conhecesse Lenny há muito mais tempo do que se possa pensar! Fora do tempo do filme, talvez...
Só este factor - o de esconder as canetas antes, e não depois - já deveria ser prova irrefutável de que Natalie pensou atempadamente em manipular Lenny, sem esperar para ver se ele a ajudava. Mas a vida é tramada justamente por isto: quase nunca podemos saber a "verdade", pois qualquer livro policial nos mostra como é perfeitamente possível cometer um crime e fazer toda a gente do planeta acreditar que foi outra pessoa que o cometeu. Bem...toda a gente menos Hercule Poirot, é claro. Mas adiante...na verdade, há uma maneira (talvez até mais) de explicar porque é que Natalie escondeu as canetas partindo do princípio de que ela estava a dizer a verdade. Os dois parecem incompatíveis, mas dá para os juntar com lógica. E a explicação até é simples: nervos em excesso. Natalie estava nervosa com a ameaça de Dodd e dos seus sócios e, devido aos nervos, começou a fazer coisas estúpidas. Isso acontece. E se, na sua raiva, Natalie tivesse culpado injustamente Lenny, poderia querer simplesmente irritá-lo escondendo-lhe as canetas. Rebuscado? Talvez um pouco. Mas neste filme temos de ter tudo em consideração.
Enfim...mesmo sem considerar a questão das canetas, há pormenores nas falas de Natalie que parecem evidenciar que ela já conhecia Lenny há mais tempo. Agora, sim, vamos espremer as falas delas até não sobrar nada! Comecemos: a primeira fala dela é "Já apareceu um tipo". Começa logo mal: o que é que ela quer dizer com "already"?! Quando um inglês diz "already", deixa implícito que já avisou alguém que alguma coisa poderia vir a acontecer. Ora, alguém ouviu Natalie a dizer a Lenny que alguém poderia aparecer? Não! Ela nunca lhe disse isso! Então, que história é essa de alguém ter aparecido "already"? Natalie, desculpa, mas tu não avisaste o Lenny de que alguém poderia aparecer! O facto de dizeres "already" faz com que pensemos que estás a representar, e não a dizer a verdade!
Isto é o começo. Depois, Natalie diz "Um tal Dodd, segundo ele." e acrescenta que ele acha que ela ficou com o dinheiro. E depois...ei, ei, espera aí! Qual dinheiro? Natalie não disse nada a Lenny sobre o dinheiro que Jimmy levou! Natalie, como queres que Lenny saiba de que dinheiro estás a falar quando lhe dizes "o dinheiro"? Se estivesses a dizer a verdade, não lhe falarias de um dinheiro de que ele nunca ouviu falar! Afinal estás a fazer teatro ou não? É que a tua história parece verídica de acordo com o resto do filme, mas que ideia é essa de falares desta maneira? Por acaso pensas que Lenny é omnisciente?!
Continuemos...Natalie diz que não ficou com o dinheiro. Ok. Esconde as canetas...suspeito, mas disso já falámos. Natalie pragueja e troça de Lenny. Lenny defende-se, dizendo que tem uma condição e ela grita-lhe que sabe tudo sobre a sua condição. Haaa...não, não sabes, Natalie! Isso é mentira. Conheceste Lenny esta mesma tarde, lembras-te? Mal o conheces e à sua memória. Agora dizer que sabes tudo sobre ela? Ele falou-te dela, mas isso não chega para saber tudo sobre ela! Estás a falar como se já fosses amiga próxima de Lenny há uns tempos! Será que, na verdade, és? É que isso vai de encontro à minha teoria de que toda esta cena é uma mentira orquestrada por ti...
Claro que Natalie pode só estar a exagerar com a expressão "sei tudo". Mas isso logo vemos. Em frente...Natalie explica que Jimmy foi ter com Teddy. Certo. Levou dinheiro e não voltou. Correcto, mas só agora é que falaste do dinheiro, e não antes. Tal como eu disse. Mas vamos lá...ela diz que os sócios a acusaram de não sei o quê e muda de assunto para perguntar a Lenny quão bem ele conhece Teddy. Whoa, whoa, pára tudo! Natalie...quais sócios? Não te ouvi a falares a Lenny dos sócios de ninguém! Como esperas que ele perceba o que queres dizer? Esperas que ele assuma que todo o pessoal da droga tem sócios? Se sim, porque é que esperas isso? Quem te disse que Lenny percebia muito sobre negociantes de droga? Foi Jimmy? Isso não é provável, porque Jimmy parece ter-te dito que ia encontrar-se com Teddy, não com Lenny. Então, quem te disse que Lenny entendia de droga? Por acaso eras a pessoa que estava a falar com ele ao telefone? Duvido, mas podes ser. É que se eras, a minha teoria está certa...
Depois, Natalie pede a Lenny para a ajudar. E o resto das falas desta cena já não interessa para saber se Natalie estava a representar ou não. As ambiguidades das falas dela já foram aqui espremidas.
Ora ...atenção, que no cinema não é obrigatório mostrar tudo. Nolan podia simplesmente querer deixar subentendido que Natalie falou um pouco com Lenny sobre Jimmy e os seus negócios. Quando? Na viagem de carro, provavelmente. Essa conversa explicaria porque é que Natalie disse "already" e "o dinheiro". E, em 95% dos filmes, isso seria uma resposta. Mas...não aqui! Desculpem lá qualquer coisinha, mas Amnésia não é um filme de subentendidos! Num filme em que temos de juntar as poucas peças que temos para montar a pequena parte do puzzle que podemos montar, esconder algumas peças que fazem toda a diferença é...indescritível. Quer dizer...se alguém escreve um mistério cheio de suspeitos e, intencionalmente, não nos mostra uma cena que é essencial para não desconfiarmos demais de um suspeito sem necessidade, então está claramente a dizer que não quer que as nossas suspeitas tenham fundamento. Do género: alguém expõe uma teoria e o autor diz: "Não, isso não é possível, porque ele sabia que X.". O teórico pergunta "Mas como?", o autor responde "É que esse suspeito falou com o coronel Mustard!". "- Quando?" "- No capítulo tal!". "- Mas isso não está escrito no capítulo!" "- Pois não, eu não escrevi isso. Esperei que percebessem." "- O quê? Porque é que não escreveu?! É que assim qualquer pessoa assume que o suspeito estava a mentir quando disse Y!". E por aí adiante. E prefiro pensar que Nolan não nos escondeu a conversa entre Natalie e Lenny para nos fazer lançar numa falsa pista atrás de Natalie.
No fim de contas, vejo estas opções:
a) Tudo o que Natalie disse era verdade e ela só quis manipular Lenny depois de se enfurecer
b) Tudo o que Natalie disse era verdade, só que ela não percebeu que estava a falar com Lenny sobre coisas que ele não poderia compreender.
c) Tudo o que Natalie disse era verdade, só que ela estava nervosa e por isso não quis saber se Lenny compreendia o que ela estava a dizer, pelo que não teve problemas em dizer "already", "o dinheiro" e outras coisas.
d) Tudo o que Natalie disse era mentira, apenas uma representação, e ela já conhecia Lenny há muito mais tempo, podendo inclusive ter tentado manipulá-lo para matar Jimmy e depois Dodd.
Uf! Sendo assim...se a), isso não explica a ambiguidade das falas de Natalie nem porque é que ela escondeu as canetas ANTES de se irritar, e não depois. Se b), então ou Nolan fez de Natalie uma personagem meio burra ou então o próprio Nolan não pensou o suficiente para a cena fazer sentido. Se c), o filme até que faz sentido, mas isso não só nos obriga a acreditar que Natalie não quis que Lenny percebesse o que ela estava a dizer e que escondeu as canetas só para o provocar, mas também que Natalie, com toda esta dificuldade em controlar os nervos, não ficaria viva durante muito tempo ao lidar com negociantes de droga. Se d), isso explica todas as ambiguidades que eu descrevi exaustivamente há 2 parágrafos e explica o porquê de esconder as canetas antes e não depois. Pode até explicar o facto de Jimmy ter murmurado "Sammy"...mas não explica porque é que Natalie complicou tanto uma tarefa tão simples como manipular Lenny, inventando tantos enredos e tantas falas que podiam levar Lenny a desconfiar. Nem explica outras dezenas de perguntas que são inevitáveis se decidirmos dar o salto de fé e dizer que Natalie representou durante o filme quase todo.
Assim, todas as explicações juntas parecem indicar que a cena, pura e simplesmente, não faz sentido nenhum! A mais provável das opções, até ver, é a c). Contudo, este suspense é um filme que nos deixa pouca margem para ter uma crença com base sólida. É aquela coisa: só nos resta aquilo em que acreditamos. E esta cena é um dos principais responsáveis por isto. Se as outras cenas criam dúvidas, esta cena tem alguma falta de lógica.
Caralho... Que texto grande! Vou ter que conferir com calma, mas o filme é foda, pra mim foida nota 8,5!
Hehe, eu sei que é grande. É o maior que eu escrevi, acho...mas a parte do comentário não é tão grande assim. 60% é a análise do filme e da cena da fúria de Natalie...😳
Cara por isso que te falei, vou lê-lo só quando eu tiver tempo e com certeza irei divaga-lo contigo!😉