“Todas as coisas que você, provavelmente, não gosta em uma viagem - o ar reciclado, a iluminação artificial, os dispensadores de suco digitais, o sushi barato - me lembram que estou em casa.”
Ryan Bingham é um homem que se auto isolou da sociedade por opção. Passando mais da metade do ano “suspenso no ar” (daí o título original, Up In The Air) em viagens de trabalho, Ryan não apresenta nenhum laço relacional com as outras pessoas, resumindo seus contatos sociais à conversas com colegas de assento nos aviões e encontros não-duradouros durante suas viagens. Até mesmo sua profissão visa exterminar os laços de relações – entre empregados e patrões – já que é contratado especialmente para demitir funcionários de grandes empresas. Nem mesmo raízes com um lar Ryan estabelece: seu apartamento é minúsculo - sendo que nitidamente, teria condições de ter uma bela casa – e desprovido de qualquer toque de personalização, não exibindo móveis ou decorações marcantes. Assim, Ryan vai levando sua vida. Porém a chegada de uma nova funcionária em sua empresa ameaça mudar seu estilo de vida: Natalie, jovem que desenvolveu um sistema para demitir funcionários de dentro do próprio escritório, através de videoconferências, economizando assim, tempo e dinheiro gastos em viagens e hotéis.
Relutante, Ryan embarca com Natalie em uma viagem pelo país, demonstrando o dia-a-dia de seu trabalho enquanto tenta convencê-la do engano que é implementar o novo sistema de demissões. Não que Ryan goste tanto de seu trabalho a ponto de não suportar perdê-lo. O que Ryan não suporta é a ideia de perder sua rotina de viagens e precisar estabelecer laços duradouros com família, amigos ou mesmo, substituir sua fiel companheira de viagem – sua mala, a qual já arruma metodicamente, no piloto automático – por uma companheira de vida, uma namorada, noiva ou, vejam só, uma esposa.
Não que Ryan, conservando um charme de George Clooney em plena meia-idade repudie as mulheres ou algo assim, já que como podemos observar em sua relação com Alex, mulher viajada e, aparentemente, desprovida de laços (um Ryan “com vagina”, como ela mesma diz) com a qual transa em ocasionais e coincidentes encontros em hotéis, Ryan se dá bem com o sexo oposto. O que preocupa Ryan são as incertezas dos laços. A substituição de seus objetivos concretos – conseguir um milhão de milhas aéreas e se tornar um dos recordistas em viagens de avião – por incertezas advindas de sentimentos e emoções, sempre tão incertos e dependentes das duas (ou mais, caso um dia tenha filhos) pessoas envolvidas na relação.
Retratando Ryan com sutilezas que apenas um ator de grande talento como ele conseguiria transmitir, George Clooney prova o quanto amadureceu com intérprete, apostando em mudanças mínimas na expressão do personagem para passar os sentimentos do protagonista: repare, por exemplo, em sua expressão ao ter um insight durante uma palestra, sua reação ao ser avisado que alcançou as milhas de seu objetivo e claro, o brilhante momento em que, gradativamente, a expressão de Clooney se transforma ao perceber a dimensão do que está ocorrendo em uma visita surpresa ao final do filme.
Não que Clooney seja o único destaque, já que conta com coadjuvantes de talento orbitando à sua volta: Anna Kendrick e Vera Farmiga, indicadas ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, dão show como Natalie e Alex, duas personagens dispares, mas que oferecem momentos propícios para ambas brilharem. Não bastando um trio principal afiado, ainda podemos conferir as participações pequenas, mas incrivelmente engraçadas de Zach Galifianakis e J. K. Simmons, como sujeitos que são demitidos e reagem de maneira peculiar à notícia.
Diretor que vem demonstrando talento para filmes que oscilam entre a comédia e o drama, discutindo assuntos pertinentes com um tom leve, Jason Reitman aproveita os amplos espaços dos cenários em locação para retratar o isolamento de Ryan, frequentemente focando-o pequeno diante de espaços vazios, enquanto pessoas passam por ele, quase sem notá-lo (um simbolismo que pode parecer simples, mas que funciona em seus significados). Da mesma forma, a maneira brilhante com a qual Reitman esquiva-se de um final melodramático e clichê para manter o tom que a narrativa vinha exibindo, merece aplausos, encerrando o arco dramático do protagonista de maneira melancólica ao enfocá-lo decepcionado em sua única tentativa de mudança estilo de vida.
E, se anteriormente encerrar o longa dentro de um avião, voando sozinho mais uma vez, seria motivo de orgulho para Ryan, dessa vez é provável que seu sentimento seja de amargura, por pela primeira vez sentir-se preso não em função de seus laços, mas por ter abdicado deles.
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