“Bang bang
Io sparo a te
Bang bang
Tu spari a me
Bang bang
E vincerà
Bang bang
Chi al cuore colpirà.”
Xavier Dolan não é considerado apenas um cineasta prodígio, mas um autor prodígio. Uma adjetivação que implica em ainda mais apreço por parte da crítica para ser feito. E, goste ou não do diretor/ator/roteirista, é inegável que o rapaz é um nome de destaque no cenário internacional desde os 20 anos de idade, quando ganhou três prêmios em uma das mostras paralelas do prestigiado Festival de Cannes 2009, com sua estreia semiautobiográfica Eu Matei a Minha Mãe, que escreveu ainda mais cedo, aos 16 anos. E ainda que sua pouca idade seja refletida nos diversos excessos desse seu debut, podia se perceber ali vestígios do talento que seria amadurecido no filme seguinte, o excelente Amores Imaginários.
A pouca idade de Dolan, aliás, parece se refletir também nos temas de suas obras, inquietações típicas da adolescência e da juventude adulta – relação conturbada com os pais; as sofrências do amor – e na estilização exageradamente kitsch adotada por ele, derrapando por vezes em uma masturbação do próprio ego, como se filtros de cores berrantes e/ou câmeras lentas fossem sinônimo de sua genialidade. Porém, ainda que essa estilização da narrativa por vezes parece uma tentativa de afirmar sua própria autoralidade, é preciso reconhecer que aqui isso funciona bem, criando imagens de impacto, como a montagem paralela que acompanha Francis (o próprio Dolan) e Marie (Monia Chokri) indo a um encontro com Nicolas (Niels Schneider), em câmera lenta e ao som da versão em italiano de “Bang Bang”, que mesmo ao ser repetida em outro ponto do filme continua fascinante – e a escolha da música por parte de Dolan é inspirada, já que se encaixa perfeitamente ao tema do filme.
O tema, aliás, talvez seja mais recorrente na juventude, mas é inegável ser algo universal e independente de idade, já que se apaixonar e viver a ansiedade de saber se esse sentimento é ou não correspondido é algo a que estamos sujeitos em qualquer parte de nossas vidas. Inclusive vivenciando algo como os amigos Francis e Marie, que ao se apaixonarem por Nicolas sem saber qual dos dois ele quer – se é que quer algum, claro -, logo transformam a amizade em uma batalha íntima que apenas pode ferir ainda mais ambos. É curioso assim notar como Dolan, apesar de haver apenas um ano de distância entre Eu Matei a Minha Mãe e Amores Imaginários, parece ter envelhecido anos já que abandona o exagero característico de seu primeiro filme, que parecia incapaz de apresentar uma cena sem gritos e explosões emocionais, para aqui apostar em sentimentos interiorizados, guardados para si e deixados escapar apenas através de expressões faciais discretas ocasionais. É como se a criança que acreditava precisar gritar para ser ouvida tivesse percebido que há outras formas de se expressar quando desejosa de ser notada.
O que acaba refletindo na qualidade das atuações do próprio Dolan e do restante de seu elenco, que sem um texto exagerado pode apostar em performances mais sutis e, nesse caso, mais eficientes. Se no filme anterior do cineasta sempre sabíamos o que seus personagens sentiam por que ele próprio e Anne Dorval estavam sempre gritando isso a plenos pulmões, agora precisamos investigar os rostos dos atores, atrás de pequenas variações em suas expressões que os traiam e revelem seu interior – um sobrancelha que se baixa aqui, uma mordida nos lábios ali e assim por diante. E se essa discrição pode ser conferida também na adoção de depoimentos para a câmera que simulam um documentário sobre nossas obsessões e dores no amor (e também dos personagens, claro), uma ressalva precisa ser feita aos incômodos e forçados closes adotados por Dolan nessas cenas, como se quisesse enfatizar a estética documental já percebida pelo espectador (e duvido que algum documentarista fosse dar closes tão sem razão e seguidos como Dolan faz).
Não que isso tire a força de momentos como aquele que traz um rapaz despedaçado abrindo seu coração e esperando não precisar adicionar mais uma marca em suas paredes (literal e metafórica, no caso), tal qual um Robinson Crusoé que ao invés dos dias da semana conta as vezes em que foi magoado. Uma mágoa que, apesar de por vezes ficarmos envergonhados de admitir, ainda é melhor do que não sentir nada. Não a toa basta um sorriso ou uma piscada para que uma vez mais partamos em busca de afeto, reconhecendo o perigo da investida que parece sempre acompanhada do medo de novamente ouvir aquele “Bang Bang” disparado por quem menos desejamos que o fizesse.
Texto muito bom, coeso. Gosto do filme, mesmo com seus exageros tanto estilísticos quanto cinematográficos. Ao fim, não me incomodam tanto.
Valeu, Nilmar 😁