Garanto que lá em 2009, quando um joguinho simples de celular chamado Angry Birds foi lançado, dificilmente seus idealizadores imaginariam o sucesso impressionante que seria alcançado, conseguindo inclusive uma adaptação cinematográfica do game praticamente por conta dos seus personagens carismáticos, já que o jogo não possui uma história em forma de "narrativa", mas apenas um objetivo simples (recuperar os ovos roubados por meio de arremessos kamikazes) dentro de um conceito super básico de jogabilidade, dos heróis (os pássaros) contra os vilões (os porcos).
Então a Rovio Entertainment (criadora do jogo), em parceria com a Sony Pictures, deu ao experiente roteirista de animações e filmes para crianças, como "Os Simpsons" ou "Alvin e os Esquilos" Jon Vitti a oportunidade de criar uma trama que relacionasse os personagens a esse universo bastante peculiar do jogo. No filme, Red tenta ganhar sua vida animando festinhas de aniversário na Ilha dos Pássaros onde mora, mas por conta do seu temperamento nervoso e de se sentir deslocado naquele lugar, ele acaba perdendo muito facilmente a paciência, o que gera problemas para a sua convivência em sociedade. Sendo assim, o desenvolvimento do filme começa quando Red é mandado para uma espécie de clínica do controle da raiva e porcos liderados pelo rei Leonard chegam à ilha.
Os estreantes diretores Clay Kaytis e Fergal Reilly, que são muito experientes no ramo das animações infantis como "Frozen (2013)" e "Mulan (1998)", por exemplo, são os responsáveis por pegar essa história desconhecida do público e dar uma identidade própria ao filme. E vale dizer que nesse aspecto o filme é extremamente bem sucedido. Os trailers já demonstravam o tipo de humor que o filme abordaria, nada muito diferente das animações mais cômicas da Disney ou da Dreamworks, aquele humor de riso fácil, apoiado em tiradas engraçadas e piadas de gosto duvidoso.
Mas felizmente, "Angry Birds" se destaca justamente por não querer "copiar" o sucesso dos outros estúdios, apresentando uma beleza estética maior do que a de costume nos filmes do gênero, com uma riqueza de cores e detalhes nas penas dos pássaros, nas folhas das paisagens ou na água dos lagos e mar. Tudo isso em conjunto com um estilo de humor muito mais "despirocado", com bastante energia movida a uma seleção de músicas radical na trilha sonora.
Por mais que o roteiro não apresente uma grande história ou até mesmo faça muito sentido se analisado friamente, a experiência de assistir ao filme acaba sendo gratificante e divertida, pois além dos personagens serem inéditos no cinema, há cenas ao som de 'Paranoid' do Black Sabbath, ou também Scorpions, Limp Bizkit, Carpenters, etc. dando um show à parte. Mas dizer que o roteiro não é a melhor coisa do filme não quer dizer que os personagens não sejam desenvolvidos. O protagonista Red obviamente é o mais profundo e vai demonstrando ao longo do filme o porquê de ele ser meio revoltado, há certo humor no seu mau-humor, o que causa empatia e ao mesmo tempo desenvolve o personagem para que ele não comece e termine o filme da mesma forma.
Já entre os coadjuvantes, os que mais se destacam são seus amigos Chuck e Bomb, mas há também o Mega Águia e outros de menor importância, que apesar de visivelmente mais unidimensionais, servindo para a história apenas como papel de aliados, oposição ou de mentor para o protagonista, possuem características bem idiossincráticas e servem como alívio cômico ou de contraponto para a postura mais ranzinza de Red, provando não estar no filme de forma gratuita. Isso ajuda o filme a não ficar apenas sustentado no drama de Red e tornar aquela ilha um pouco mais rica como sociedade, embora não tenha nada de tão profundo que seja digno de nota.
Cientes de que o filme visa mais o público infanto-juvenil e se aproveitando da beleza estética à disposição, os diretores usam e abusam do slow motion em vários momentos para contrapor a intensa movimentação e dinamismo do filme, o que não é recurso nada sutil para uma comédia, mas convenhamos, é eficiente em fazer a platéia rir. Como fonte de referências, há uma clara inspiração na comédia da dupla Adam Sandler e Jack Nicholson em "Tratamento de Choque (2003)", especialmente nas reuniões do grupo de ajuda. Há também um Easter Egg bem engraçado de "O Iluminado (1980)".
Outro fator que contribui para o sucesso de "Angry Birds: O Filme" é sua estrutura muito bem montada. Durante os dois primeiros terços de filme, há um forte trabalho para estabelecer esse mundo dos pássaros que não voam, injetar carga dramática nos personagens e criar um conflito, para que tenhamos uma história com propósito claro acontecendo. Há até uma tentativa - não muito bem explorada, é verdade - de crítica a apropriação indevida de terras, algo próximo do que os portugueses fizeram com os índios, em troca de barganhas. Agora, o terço final é justamente o 'service' que os fãs do game esperavam. Eles conseguem fazer uma conexão com o jogo através do roubo dos ovos, inserem o estilingue no meio da história, e o principal, vão mostrando as habilidades de cada um dos personagens principais, como o bumerangue, o que infla, a que atira ovos, etc. Esta resolução pensando nos fãs é provavelmente a melhor coisa do filme.
Concluindo, "Angry Birds: O Filme" é uma boa mistura de aventura e humor, embora não seja um filme daqueles de gargalhar, com piadas bem mais certeiras, como "Zootopia (2016)", por exemplo. Mas acerta por trazer um visual diferente e muito caprichado, além de uma trilha sonora arrasadora. Os personagens são legais e carismáticos, há algumas inversões de expectativas bem sacadas no meio do filme e o protagonista não é feito deliberadamente para agradar o público. Seu nervosismo e até egoísmo acaba sendo engraçado e cria um sentimento de compreensão ou até afinidade com o personagem, o que acaba sendo muito divertido. O resultado acabou surpreendendo pelo fato de que ao menos oitenta por cento da história foi criada especialmente para o filme, e felizmente conseguiu se sustentar até o final.
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