"- Eu acho que você é extraordinária."
"- Por que?"
"- Eu não sei ainda. Pra mim é apenas óbvio que você é."
Spike Jonze e Michel Gondry são ótimos cineastas e não é difícil ver suas marcas em filmes como Adaptação e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Mais complicado é, no entanto, não se referir a esses filmes como obras de seu roteirista Charlie Kaufman, que alcançou um status que poucos outros escritores possuem em Hollywood. Os dilemas dos personagens, os questionamentos levantados, tudo é claramente kaufmaniano e seus filmes como diretor, posteriormente, deixaram isso claro. Para Kaufman e seus personagens, viver e amar parecem coisas que se confundem e, definitivamente, é algo que dói. Daí que o protagonista de Anomalisa, Michael Stone (voz David Thewlis), já que não está amando, claro, está em crise existencial.
Em um primeiro momento parece que Anomalisa poderia ser filmado com atores de carne e osso, mas conforme a obra avança fica claro o porquê de Kaufman se aliar a Duke Johnson e seu stop motion para contar sua história, já que a força das expressões dos personagens/bonecos são tão fortes que parece difícil de replicar num rosto de verdade, além, claro, do efeito que parece criar uma máscara permanentemente perto de cair sobre o rosto dos personagens, algo que parece indicar um desejo de Kaufman de cutucar nossas máscaras sociais - o que explicaria porque em um pesadelo de Michael, essa parte de seu rosto cai em dado momento. Essa questão de nos escondermos atrás de máscaras em nosso convívio social, aliás, sempre torna os personagens kaufmanianos ironias vivas: um escritor com dificuldade de se relacionar que sofre bloqueio criativo e para de se expressar também pela escrita; um homem que por impulso decide apagar a ex da memória apenas para perceber que quer mantê-la em sua mente e em sua vida; um palestrante de autoajuda que mal consegue ajeitar a própria vida.
Para o protagonista de Anomalisa, ajeitar a vida é encontrar um amor, se relacionar, estabelecer ligações. Porque ele pode ter filho, esposa, e uma ex com quem tudo ficou mal resolvido, mas basta o vermos interagir com essas figuras para constatar que são todos "eles", uma massa de seres que nada dizem a Michael e até por isso soam todos iguais ao moverem os lábios, numa sacada excelente de Kaufman e Johnson, com a voz de Tom Noonan (creditado como dublador de "todos os outros"). Então, quando surge Lisa (Jennifer Jason Leigh) - e não demoramos a entender o título quando ela aparece em cena - e sua voz tão nova aos ouvidos do protagonista, também nos encantamos por aquela criatura tão particular ao universo do filme e por quem ela torna Michael, que sai de alguém desinteressado/desinteressante para alguém cheio de vivacidade. Torcemos por aquele casal mesmo que só possamos acompanhar uma noite deles juntos, porque aquilo parece (e é) mágico.
E mágico não é exagero, já que a química do casal é tanta que mesmo sendo protagonizada por bonecos, a cena de sexo vista em Anomalisa é, possivelmente, uma das mais verdadeiras que passaram nos cinemas nos últimos anos, de dar inveja em qualquer Lars von Trier ou Gaspar Noé, o que é mais um atestado do talento de Kaufman e Johnson em conduzir suas cenas. Mas certas mágicas, como o tal do amor, por vezes acabam. A voz que era tão diferente logo se torna apenas mais uma entre "eles" e os problemas voltam, porque ainda estavam lá. Aí se percebe que talvez a grande questão não seja encontrar um amor, o problema está em si mesmo, mas aí o filme acaba e podemos só supor, interpretar, antecipar passos que nunca veremos.
E torcer, claro. Para que aquele amor seja reencontrado em outro momento. Ou que um novo seja encontrado. Ou apenas que encontre-se a si mesmo.
belo texto, Pedro. Não li, mas com certeza é um excelente trabalho.
valeu rafael, o pepe agradece pela sua opinião.
são opiniões assim que fazem o pepe crescer como pessoa.
bjs.
Êta mundo bao
Rafa nunca leu nada meu, tenho mágoa disso :(