Mike Nichols não é o que se pode chamar de entusiasta do amor. O diretor, morto no ano passado, aos 83 anos, produziu alguns filmes essenciais aos viciados em cinema, como o seu longa de estreia, “Quem tem Medo de Virgínia Woolf?”, e “Closer”, um dos seus últimos filmes, lançado em 2004. Ele trouxe às telas enredos diversos que lidam com a complexidade das relações humanas, desde o entrelaçamento entre o ativismo político e a turbulenta vida pessoal, em “Silkwood”, até uma história sobre dois casais cujos personagens masculinos competem arduamente, aos olhos do público, para mostrar qual deles é o mais inseguro (“Closer”).
Ânsia de Amar, de 1971, foi o quinto de sua carreira, e aborda a relação entre dois amigos cuja amizade funda-se e prospera através do compartilhamento de relatos sobre suas experiências amorosas. A história é aberta com um diálogo entre ambos, em que se questionam, caso tivessem que escolher, se preferiam amar ou ser amados. O que parece ser conversa interessante e reflexiva sobre o amor ganha um efeito diferente com o desenvolvimento da narrativa, pois estamos lidando com dois personagens extremamente individualistas e voltados ao próprio prazer em detrimento do outro. Qualquer semelhança com “Closer” não é mera coincidência.
Ambos são virgens, até que surge Susan (Candice Bergen) para solapar o coração e os hormônios dos dois amigos. Ela começa a namorar Sandy (Art Garfunkel) só que a história toda fica enrolada porque, depois que conhece Jonathan (Jack Nicholson), o amigo, e, tentada por suas investidas, Susan transa com ele. Sandy terá sua oportunidade também, mas quase como um favor de Susan diante das estúpidas e ridículas investidas dele, para as quais ela acaba concedendo o sexo mais como um favor do que como um ato de prazer. Na sequência, Susan e Jonathan se desentendem e o triângulo amoroso é desfeito.
A partir daí, há uma quebra na narrativa a que estamos acostumados. Reza a tradição que uma intriga amorosa como essa tenha um desfecho, talvez uma lição de moral. De maneira alguma que a traição permaneça oculta e não seja resolvida em meio a declarações de guerra ou coisa pior, mas penso que o propósito traçado pelo diretor foi menos previsível e ele acaba se voltando para o terceiro excluído, Jonathan. Destacam-se, então, a amizade entre Sandy e Jonathan, estruturada na frenética visão sexual de ambos, e a relação deste com Bobbie (Ann-Margret), a mulher com quem se envolveria mais seriamente.
Para Jonathan, as mulheres são “castradoras”, o que todas elas desejam, no final das contas, é casar e, por consequência, monopolizar o homem. Ele lista as mulheres da sua vida tratando-as por esse mesmo adjetivo. Adeptos do “ruim com elas, pior sem elas”, não deixam de admirar, cortejar e desejar as mulheres que acham atraentes. No final das contas, desejam aquilo que condenam nas mulheres, subjugando-as como donas do lar, como é o caso do elogio que Sandy faz sobre o casamento com Susan, enaltecendo seu papel como uma dona de casa eficiente, ressaltando, contudo, que a vida onde tudo está no devido lugar não exerce fascínio.
Não é diferente dos interesses que cercam Bobbie e Jonathan. Bobbie deseja casar, o que apesar da relutância de Jonathan, é aceito. Por ele, ela larga a profissão, mas, quando as coisas começam a desandar na relação, ele despeja seu ódio pela dependência financeira da mulher e pelo seu descaso com as atividades domésticas.
Nichols também foi capaz de construir algumas das cenas mais constrangedoras da história do cinema. Nada que se compare à sessão de sexo virtual entre dois heterossexuais de “Closer”, mas algo proporcional à completa falta de bom senso entre os dois amigos que, sem que as companheiras saibam, propõem uma troca de casal para suprir as deficiências que ambos estão sentindo em suas relações, tentativa que, obviamente, não tem sucesso.
Como disse no início, Nichols não foi um entusiasta do amor. Ele não concebeu aqui um filme idílico ou romantizado, mas o contrário. Mostrou em Ânsia de Amar a prevalência do instinto sobreposta à razão quando confrontadas com o desejo. Além disso, mostrou homens e mulheres reais, com interesses e vontades e como esses interesses e vontades podem estar alinhados, pacificando a relação, ou quando podem estar contrapostos, tornando-a conflituosa. Nas entrelinhas, por sua vez, mostra como uma relação assentada na dependência feminina em relação ao homem é uma armadilha da qual as mulheres foram tradicionalmente as grandes perdedoras.
Excelente comentário. Adoro o cinema de Nichols e esse aí é especial. Parabéns.