"Se você quer amor verdadeiro, então chegou o momento. Essa é a vida real. Não é perfeita, mas é real."
É interessante notar como uma das mais belas e reais histórias românticas que o cinema já contou é muito mais um filme sobre o tempo do que sobre o amor. Não que ele não esteja lá, mas o interesse do diretor e roteirista Richard Linklater em seus Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite parece muito mais o efeito que a passagem de tempo exerce não apenas sobre a aparência física de seu casal protagonista, mas também em suas personalidades e, consequentemente, seus sentimentos - um pelo outro, por eles mesmos e pelo mundo à sua volta. Assim, a "trilogia do Antes" é também um filme sobre o amadurecimento pelo qual todos passamos ao longo de nossas vidas e que nos faz olhar para trás e, paradoxalmente, reconhecermo-nos em nossas versões passadas, mas também mal entender o que nos fez ficar tão diferentes.
E se o tempo é o tema, realismo é a palavra de ordem, da confecção do roteiro às performances da trilogia. Não aquele realismo que empresta o tom das produções documentais à tramas que em nada lembram o lado de cá da tela. O realismo aqui está impregnado em tudo, da abordagem do romance central aos diálogos, passando pelas reações dos personagens aos vislumbres de mais detalhes sobre o parceiro. Daí a frase símbolo da trilogia talvez ser um trecho de um importante – e não são todos? – diálogo de Antes da Meia-Noite, quando Jesse fala à Celine que o amor deles pode não ser perfeito, mas é real. E é verdade. Dói ver em dado momento desse terceiro filme os personagens por quem nos apaixonamos dezoito anos atrás perto da separação, mas basta olhar mais atentamente e constatar o quão bonitas são essas cenas até aqui derradeiras da trilogia. Ora, arrancar romantismo de um “viveram felizes para sempre” puramente arbitrário é barbada, agora o que Linklater, Delpy e Hawke fazem ali, após os personagens mostrarem que são o que de mais mortal existe um para o outro - e basta ver como se machucam mesmo através de "brincadeiras" antes da longa discussão do terceiro ato -, é magia pura. É o amor para o qual durante dois filmes nos preparamos (e eles também, claro): quando mesmo com muita coisa dizendo que acabou, eles insistem em continuar, por que uma única razão é o suficiente – o amor um pelo outro, aquela coisa iniciada em um vagão em Viena.
Além disso, é um deleite acompanhar como a idade traz uma nova percepção acerca das distintas fases do tempo ao longo dos três filmes: se na juventude de Antes do Amanhecer boa parte dos diálogos dão conta do futuro, em Antes do Pôr-do-Sol o tema central passa a ser o estado de espírito dos protagonistas no presente e, finalmente, em Antes da Meia-Noite, é o passado sob a ótica mais apurada dos agora adultos vividos quem ganha os holofotes. E isso se reflete na relação dos personagens: no primeiro filme uma idealização romântica característica do espírito indomável da juventude - um romantismo por vezes idiota, como eles reconhecem anos depois, afinal como não pegaram os telefones e sobrenome um do outro?! -; aí na continuação, aquele olhar sobre amor da vida adulta, cheio de neuroses, crises, mas ainda assim esperançoso, a mistura exata de pessimismo e otimismo, anseio e medo; e por fim, o amor calejado, de figuras que se conhecem intimamente e ainda se surpreendem negativamente ou positivamente, duas figuras que poderiam desistir, mas seguem tentando.
E é incrível como um filme consegue ser ao mesmo tempo tão cruel e tão bonito e romântico (atenção: romântico, não romantizado). Aliás, arriscaria dizer que mesmo não sendo meus filmes favoritos (perto disso, bem perto) ou mesmo minha trilogia favorita (perto disso, bem perto [2]), a história de amor de Jesse e Celine é uma das coisas mais bonitas que já vi no cinema e frequentemente volta à minha mente e me força a uma revisão. E segue sendo sempre um prazer viajar ao lado dos personagens de Hawke e Delpy.
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