BELAS IMAGENS EM UMA BELEZA SIMBÓLICA E POÉTICA DIFÍCIL DE SE ALCANÇAR
O Anti-Cristo (Antichrist, 2009), premiado filme do aclamado e polêmico diretor Lars Von Trier, atinge um misto de beleza, tensão e profundidade tão complexo que é muito provável que poucos consigam assimilar o filme por completo. Definitivamente eu me encaixo nesse perfil, pois assim como aconteceu comigo ao assistir A Árvore da Vida, de Terence Melnick, gostei do filme e encontrei diversos pontos fortíssimos na obra, mas fui incapaz de compreendê-lo como um todo.
Mundo de algumas das mais belas cenas do cinema dos últimos anos, O Anti-Cristo traz uma estória pesada e tensa que funde-se à uma série de imagens esplêndidas que provocam os mais diferentes sentidos e sentimentos de cada um que assiste o filme. E é aí que resido o prazer e o desafio de assistir O Anti-Cristo: tentar associar a imagem com o contexto e encontrar um sentido naquilo tudo. E como não sentir-se incomodado, por exemplo, com a belíssima cena de abertura. A espetacular fotografia em preto e branco e a música erudita embalam a cena de sexo entre o Homem e a Mulher no chuveiro (com direito a penetração vaginal em close) em câmera lenta, enquanto acompanhamos os passos do curioso bebê do casal em direção à janela até escorregar para a morte. A cena é de uma beleza singular e não tenho medo afirmar que é a melhor cena do filme e uma das mais bonitas que eu vi desde a chuva de sapos em Magnólia. Nesta chocante cena de abertura, uma das características mais fortes do cinema de Von Trier salta aos olhos: a curiosa maneira como o diretor associa o prazer à dor, ao sofrimento. A Mulher (Charlotte Gainsbourg) em luto, atormentada pela tragédia, passa a ter impulsos sexuais cada vez ais violentos enquanto o Homem (Willem Dafoe) tenta (em vão) tirá-la deste purgatório com seus conhecimentos terapêuticos analíticos.
O conflito Homem x Mulher, Sexo x Morte, Prazer x Sofrimento permeará até o fim da projeção, que não nos poupa de nenhum detalhe de ambos os lados. A frieza do Homem ao encarar a trágica situação chega a assustar, como se ele temesse perder mais a Mulher do que sofrido por ter perdido o filho. A Mulher, por sua vez, cada vez mais inconstante e imersa em uma sombria e aterradora aura de depressão e insanidade. A cada cena explícita de sexo, sabemos que algo terrível irá sucedê-la. E quando a Mulher decepa o próprio clitóris, é como se cortasse o mau pela raiz.
O estilo câmera tremida do diretor surge logo após a emblemática cena de abertura e confere um ar realista a seu filme, mas outros detalhes da direção ajudam a estabelecer o foco no casal, como os rostos embaçados dos outros (poucos) personagens que aparecerão na tela, ou a câmera lenta usada em tomadas perfeitamente elaboradas por Von Trier para ressaltar e destacar a presença dos protagonistas em meio ao cenário, como na linda cena da mulher caminhando pela floresta (chamada de Éden) em transe. E Von Trier arrisca ainda mais alto ao explorar imagens que poucos outros diretores teriam coragem de fazer, como mostrar uma gazela com um feto exposto junto aos restos de sua placenta, saltitando mata a fora ou ainda uma raposa dizendo ao protagonista “caos reina”. Indiscutivelmente duas das cenas mais estranhas e interessantemente bonitas da carreira do diretor.
Apostando bastante em artifícios sonoros, como trilha pesada em sons perturbadores à noite, Von Trier aproxima certos momentos de O Anti-Cristo à Bruxa de Blair, fazendo com que uma cena ou tomada onde nada acontece ou é mostrado ganhe um peso e uma tensão consideráveis, tornando seu filme forte em todos os aspectos.
Porém, como comentei antes, assim que o filme terminou (com mais uma belíssima cena) senti um vazio e uma insatisfação muito grande por não ter sido tocado pelo filme como achei que este o faria. Não sei foi apenas falta de sensibilidade minha ou se realmente o filme de Trier possui realmente esta peculiaridade, mas fiquei com a impressão de que o filme poderia ser maior do que pareceu.
Mesmo assim, seja pela ousadia de Von Trier ao explorar imagens perturbadoras com tamanha naturalidade, ou pela sua insana equiparação de prazer e sofrimento, ou mesmo por possuir algumas das mais belas imagens do cinema atual, O Anti-Cristo se mostra um bom filme capaz de mexer com o espectador das mais diferentes formas. Uma belo exemplar de cinema artístico NADA comercial.
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