O cinema, sobretudo o americano, das últimas décadas dedicou uma atenção especial para uma perspectiva apocalíptica da vida humana em sociedade. Partindo dessa temática, elaboram-se cada vez mais filmes de ficção científica, ação, terror e dramas que talvez queiram incutir no espectador uma perspectiva um tanto pessimista do nosso futuro ou, antes, traduza essa perspectiva para o cinema.
Sem tentar, necessariamente, categorizar os tipos de filmes realizados dentro da referida temática, é inegável que o cinema tende a desenvolvê-la por dois caminhos, na maioria das vezes de forma simultânea: um caminho que trata das diferentes formas que o “apocalipse” pode vir (epidemia, alienígenas, robôs, clima etc.), o outro é a centrando-se nos modos como os sobreviventes lidam com o caos advindo. É considerando esse último caminho que devemos falar do filme Ao cair da noite.
No filme, acompanhamos a luta de Paul (em mais uma brilhante atuação de Joel Edgerton) e sua família para sobreviverem a uma condição adversa, que pouco entendemos e nada sabemos as causas. Pode-se dizer – mesmo ciente do peso da afirmação – que a cena inicial talvez seja uma das melhores na história do cinema como apresentação, ou “entrada”, do que será desenvolvido no filme. Trata-se de uma cena carregada de tensão e drama, praticamente silenciosa, que suscita diversos questionamentos no espectador.
Portanto, será isto que veremos no transcorrer da película: tensão, drama e questionamentos, mas estes pouco serão respondidos, na verdade, serão mais reinterpretados pelo espectador. Com essas características, podemos dizer que o filme de Shults nada tem de terror, como podem tentar vendê-lo. Trata-se de um drama sobre a sobrevivência humana, especificamente em um contexto onde essa sobrevivência se torna mais complexa, durante uma epidemia. Como a confiança, principal elemento de sociabilidade, pode ser sólida quando aquele que carrega a “morte” pode não saber, ou negá-la para tentar sobreviver?
Praticamente, todas primeiras cenas do filme se passam à noite, em uma casa pouco iluminada, um tanto claustrofóbica. Mas, com a aparição de Will, passamos a ver o dia, notamos que a casa se localiza no meio de uma floresta, e que as pessoas não podem confiar umas nas outras. Mas Paul resolve confiar em Will, e sai para buscar a família deste. No retorno, agora com as duas famílias, vemos mais cenas diurnas. Paira um certo clima de felicidade no ar, até a situação marcada pelo estranho latido do cachorro, seguido de seu desaparecimento e de seu retorno. Então, voltam a predominar as cenas noturnas, retomando a tensão de antes e, sobretudo, a falta de confiança num contexto de epidemia, bem como as consequências disso tudo.
Temos de reconhecer que o filme Ao Cair da Noite consegue cumprir o que promete, procura desenvolver um drama e suspense em contexto apocalíptico. Para tanto, constrói bem os personagens da família de Paul, deixando os de Will em um clima de mistério que corrobora para aquela falta de confiança (basta atentar que Paul descobre uma mentira de Will). Com suas devidas proporções, o filme de Shults lembra um pouco Tempo dos Lobos, de Haneke, pois, nos dois filmes, encontramos a luta das pessoas pela sobrevivência, em contexto pouco explicado, com destaque para a dificuldade de as pessoas confiarem umas nas outras.
Mas, como se trata de um filme de temática apocalíptica, e mesmo tendo escolhido aquele caminho que foca nas reações das pessoas ao apocalipse, parece ter faltado à película Ao Cair da Noite contextualizar melhor – o que não significa “dar as respostas” –, pois, se a proposta é representar cinematograficamente o comportamento das pessoas em um determinado contexto, esse contexto também precisa ser trabalhado, pois ele também é parte da proposta, do contrário parecerá apenas um pretexto. Assim, ao final de sua apreciação, constatamos que se trata de uma boa ideia cinematográfica (se se pode definir assim), mas ficamos com a sensação de que faltou desenvolver melhor essa ideia.
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