Após o sucesso de Charada, Stanley Donen resolveu apostar em mais uma trama internacional cercada por mistérios, reviravoltas e assassinatos. Se, três anos antes, escalara o casal mais charmoso de todos os tempos (Cary Grant e Audrey Hepburn, claro), desta vez teve em mãos Gregory Peck e Sophia Loren. Apesar de não estarem à altura da dupla anterior, apresentam uma admirável química mais improvável e exótica – na história, Peck é um professor de arqueologia que, por acaso, é levado para uma intriga de nível internacional, envolvendo um primeiro-ministro árabe, uma gangue liderada por um magnata do petróleo nativo e um grupo ultranacionalista de determinado país do Oriente Médio; Sophia Loren, por sua vez, possui tantas identidades quanto curvas: ora é a esposa “comprada” pelo petroleiro, ora é amante do líder terrorista, ora fica entre os dois lados, agindo por conta própria ou a serviço de uma instituição muito maior. Ou seja, mais uma vez, o mocinho da história não pode acreditar na palavra de ninguém: contratado para traduzir uma importante mensagem em hieróglifo que pode significar uma crise de proporções gigantescas, com o tempo irá perceber que sua vida também está em jogo.
A direção de Donen em Arabesque está, mais do que nunca, disposta a explorar os ângulos mais inusitados possíveis, quase que com uma obsessão em filmar espelhos, os seus reflexos e a possibilidade que eles permitem em captar regiões opostas ao que é filmado pela câmera. Este é um filme de lentes: desde a magnífica primeira cena, em um consultório de oftalmologia, elas servem para aproximar o público da distorção, de uma realidade ilusória que causa sensações diversas, que vão da vertigem até o medo – a mise-en-scène é absolutamente hitchcockiana, mas com um diferencial importante: a influência do psicodelismo latente nos anos 60. Não por acaso, a trama se passa em Londres – o que, para mim, não foi uma boa escolha.
Explico-me: estes filmes de intrigas internacionais precisam de charme, traduzido a partir dos personagens, da trilha sonora, do figurino, da fotografia. Ora, a trilha sonora é outra vez composta pelo grande Henry Mancini. Os personagens possuem várias das características propícias ao entretenimento elegante. O figurino de Sophia Loren tem a assinatura de Christian Dior. O casal é belo e carismático. Qual é, então, o problema? A localização! Sim, o clima chuvoso e as ruas escuras de Londres, definitivamente, não combinam com este tipo de filme. A fotografia é competente, mas não se encaixa na proposta. Além disso, a trama não é tão inspiradora quanto parece ser nos primeiros vinte minutos da narrativa e vez ou outra parece ser datada demais. Arabesque é, sim, um bom filme, mas não é por acaso que está até hoje na penumbra da obra-prima anterior de Stanley Donen e de outros filmes maiores e mais influentes no gênero.
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