"Eu sou perfeitamente capaz de tomar decisões difíceis."
Em dado momento de Arraste-me Para o Inferno, os Looney Tunes parecem encontrar O Exorcista e desse encontro nasce uma cena em que a protagonista Christine (Alison Lohman), ao ser atacada pelo espírito que a persegue após ser amaldiçoada pela cigana Sylvia Ganush (a ótima Lorna Raver), utiliza um patins para cortar uma corda e jogar uma bigorna na cabeça da criatura, fazendo seus olhos saltarem para fora do rosto. É, provavelmente, o momento mais divertido de um filme recheado deles. Sim, momentos divertidos Porque Sam Raimi não hesita em criar um filme de terror que até pode provocar arrepios em diversos instantes - o começo dessa cena da bigorna, por exemplo, reserva um daqueles sustos clássicos do cinema de horror -, mas está preocupado mesmo é em divertir seu público, mesmo que para isso precise transformar a personagem de Lohman em uma figura quase surreal, que passará boa parte do filme completamente suja dos mais variados fluídos enquanto tenta escapar da maldição que em três dias a levará diretamente ao inferno.
O roteiro, escrito pelo próprio Sam Raimi e seu irmão Ivan Raimi, é econômico e jamais tenta criar obstáculos adicionais para sua trama, compreendendo que Christine versus o espírito já é drama suficiente para segurar as quase duas horas da produção. Assim, se em dado momento lhe é sugerido que sacrifique um animal para acalmar seu perseguidor e ela recusa por ser vegetariana e protetora dos animais, basta um novo ataque para vermos a garota atrás de seu gato de estimação - em uma cena que Raimi filma com o mesmo estilo que filmara as aparições demoníacas que perseguem a protagonista, transformando-a na vilã de seu gato por breves instantes, em outra cena estranhamente divertida - para lhe tirar a vida. Além disso, se Clay (Justin Long), o namorado de Christine, surge de início cético com o que está sendo vivenciado pela garota, logo vemos o personagem a apoiando até mesmo para gastar dez mil dólares em uma espécie de "exorcismo", tornando-o uma figura digna de afeto não só da protagonista, mas até mesmo do nosso,
Dito isso, é ótimo que a batalha de Christine por sua sobrevivência nos mantenha sempre ligados ao filme, seja nos momentos mais intimistas, seja naqueles em que Raimi parece se divertir até mais que nós, espectadores, como no tal "exorcismo", onde abusa de efeitos que em momento algum buscam ser realistas e justamente por isso funcionam tão bem no filme. Além disso, como provava sua trilogia do Homem-Aranha - sim, inclusive o terceiro filme -, Raimi é um diretor que domina bem a linguagem cinematográfica, seja apostando no humor (o diálogo no elevador no segundo filme do Aranha), seja apostando no horror (o surgimento do Dr. Octopus no mesmo filme), então não tinha como errar a mão em um filme que transita a todo instante entre os dois.
Mais surpreendente é Alison Lohman dando dignidade, força e fraqueza na medida certa para Christine: muito mais que um rostinho bonito pronto para gritar diante da situação de horror que sua personagem vive, Lohman surpreende em momentos maios sutis, como sua luta interna consigo mesma ao precisar negar a prorrogação do prazo de Ganush, a resistência em admitir seu egoísmio nessa mesma situação ou a força que nem suspeitávamos mais que a personagem tivesse ao violar um túmulo perto do fim do longa. E sua expressão tão cheia de sentimentos em sua cena derradeira é de doer no espectador, ainda que o final "surpresa" não seja surpreendente. Já Justin Long pouco faz em suas cenas, parecendo em alguns momentos até desconfortável com o personagem, enquanto Lorna Raver merecia mais tempo de tela por equilibrar tão bem uma personagem assustadora e engraçada - sua luta com Christine em um carro é um momento brilhante.
Quase me deixa menos chateado por Raimi não ter conseguido dirigir um quarto Homem-Aranha.
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