“Eu queria saber como que alguém que gosta de alguma coisa faz pra lembrar se não gostar de música.”
A frase acima é dita por um dos entrevistados de Eduardo Coutinho em um dos melhores depoimentos desse seu espetacular As Canções. Pois, como Queimado diz citando uma frase de seu irmão, é difícil encontrar alguém que não associe uma música a algum momento marcante de sua vida, algo que motivou o cineasta munido de sua câmera pedir para diversas pessoas responderem qual a canção de suas vidas, cantando-a, e o porquê de ocupar esse posto, resultando em um filme que, muito antes de ser sobre música ou cantores, é uma homenagem à memória humana e ao papel da música nesse componente tão importante do ser humano.
Assim, seja cantando Roberto, Chico, Tom, ou canções de composição própria, os personagens reais que atravessam a tela ao longo dos noventa minutos do documentário relembram suas vidas provando que não é preciso uma história mirabolante e cheia de reviravoltas para se fazer um filme, já que no prosaico muitas vezes escondem-se os melhores roteiros. Como não poderia deixar de ser ao abordar as músicas de uma vida, surgem histórias em que a canção está diretamente associada a um romance – findado ou não -, mostrando o paradoxo que uma música pode representar ao ser adotada por um casal, já que, se embala momentos de amor e juras de eternidade durante a relação, basta a mesma acabar para se tornar um atestado agridoce de um passado irretornável, despertando ao mesmo tempo a beleza do que se viveu, mas também a dor de não vivê-lo mais.
Mas há também o despertar em forma de música do sentimento d nostalgia de ver a mãe costurando e cantarolando ao lado do filho pequeno – o que rende lágrimas de um homem que nem ao menos sabe o porquê do choro, já que a mãe se encontra viva -, o arrependimento de não ter se aproveitado mais o tempo ao lado de um pai que veio a falecer, além de um homem e uma mulher que, cada qual com sua música, encontram a “motivação” para seguir em frente após um relacionamento que findou. Há a dor de descobrir que uma música que já fora dela e dele, era também dele e da outra, mas também há a felicidade de lembrar como todos os dias aquela canção que representava a felicidade do relacionamento permanece presente no dia-a-dia, mesmo com o falecimento de uma das partes do casal.
E há que reside a beleza de As Canções – aliás, a beleza do cinema de Coutinho em um todo: não há recursos requintados, apenas uma câmera, uma cadeira e um fundo negro, o que importa são as pessoas que surgem no quadro – o próprio cineasta evita ao máximo se “intrometer” em seus filmes, dificilmente surgindo diante da câmera – e suas histórias. E Coutinho possui uma habilidade impar em conseguir que seus personagens se desnudem emocionalmente diante do espectador, não se importando de chorar, rir, relembrar enquanto são registrados pela lente do cineasta, resultando em obras memoráveis exatamente por refletirem naquelas histórias as trajetórias de quem as assiste, afinal, quem de nós não possui memórias embaladas por canções próprias?
Lindo texto, cara. Você conseguiu passar por vários depoimentos em poucos parágrafos e sintetizar boa parte do brilho desse filme tão maravilhoso.
Um dos testemunhos que mais me tocou foi o do garoto que sente falta do pai. Emocionante.
Belíssimo texto mesmo, Pedrão! Ouso dizer que um dos melhores que você fez. Maravilhoso mesmo esse filme.
Poxa fellas, valeu mesmo pelos elogios entusiasmados :)
Patrick, esse depoimento é lindo mesmo, e a música que o rapaz canta, se não me engano de autoria própria até, também é dolorosamente bela.