Dirigido por Andrew Adamson. Elenco: William Moseley, Ben Barnes, Georgie Henley, Skandar Keynes, Anna Popplewell, Sergio Castellitto, Peter Dinklage, Warwick Davis, Vincent Grass, Pierfrancesco Favino, Damián Alcázar, Tilda Swinton e as vozes de Eddie Izzard, Ken Stott e Liam Neeson.
Talvez a série As Crônicas de Nárnia funcione melhor no livro do que no cinema – espero que sim, já que ainda tenho interesse em ler a série concebida por C.S. Lewis. Afinal de contas, este Príncipe Caspian comete quase todos os mesmíssimos erros que seu antecessor, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Porém, é preciso reconhecer que, diferente daquele episódio, dessa vez a sensação de perigo e ameaça à vida dos heróis é bem mais palpável. Além disso, a tão comentada alegoria cristã da obra de Lewis é bem mais clara nessa nova investida.
Príncipe Caspian tem início exatamente um ano depois que os irmãos Pevensie (Peter, Susan, Edmund e Lucy) retornaram de suas aventuras na terra de Nárnia. Certo dia, eles são misteriosamente transportados de uma estação de metrô de volta para aquele universo. Chegando lá, descobrem que mil anos se passaram durante sua ausência, e que seus antigos companheiros de batalha já morreram há muito tempo. Para piorar, Nárnia foi invadida pelos Telmarinos, que sob a liderança do cruel Lorde Miraz, praticamente exterminou as criaturas mágicas que habitavam aquele mundo. É nessa situação que os irmãos devem se unir ao justo príncipe Caspian (sobrinho de Miraz) para restabelecer a ordem em Nárnia enquanto procuram a ajuda de Aslam para a batalha.
Um dos principais problemas do filme original continuou intocado nessa continuação: a unidimensionalidade dos personagens impede a formação de qualquer vínculo emocional que faça com que realmente nos importemos com eles, já que eles continuam seguindo os mesmos modelos de comportamento; a única alteração é que, se antes tínhamos as irritantes discussões entre Peter e Edmund, dessa vez a situação foi mudada para Peter e Caspian. Para piorar, Peter sempre mostra-se imaturo e aborrecido, o que é uma falha grave quando este deveria funcionar como o herói da história. Também vale dizer que, mais uma vez, com exceção da pequena Georgie Henley (que compensa o roteiro falho com carisma e boa presença em cena), todos os atores mirins continuam terrivelmente inexpressivos, o que quase destrói nossa ligação com a história – algo que deve ser creditado à direção falha de Andrew Adamson, que, oriundo da animação (ele foi co-diretor dos dois primeiros Shrek), volta a mostrar não ter jeito para trabalhar na condução de atores.
Já o elenco adulto se mostra bem melhor: Peter Dinklage, como o rabugento anão Trumpkin, oferece uma performance carismática e intensa, apesar dos montes de maquiagem necessários para compor o persongem. Mas o destaque vai mesmo para Sergio Castellitto, como Miraz, consegue uma verdadeira façanha ao evitar o exagero tipicamente caricatural de vilões do gênero, jamais investindo em gritos e gestos grandiosos, soando bem mais ameaçador do que a inócua Feiticeira Branca do primeiro filme. Além disso, as dublagens de Ken Stott, Eddie Izzard e Liam Neeson funcionam muito bem em conjunto com suas contrapartes virtuais.
Já a parte técnica revela-se tão heterogênea quanto em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa: os figurinos e a direção de arte são belíssimos (mesmo que esta ocasionalmente lembre um “Hogwarts encontra Gondor”) e os efeitos visuais se mostram ainda mais realistas do que no capítulo anterior (os animais falantes são bem mais convincentes desta vez). Por outro lado, a fotografia continua a soar uma cópia barata de O Senhor dos Anéis: é impossível não lembrar de Arwen sendo caçada pelos Nazgûl na cena em que Caspian foge de seus perseguidores, tamanha a similaridade dos enquadramentos e das marcações de cena (há um outro momento em Príncipe Caspian que remete à esta mesma cena, mas creio que isso fosse inevitável: aparentemente é uma situação já presente no livro). Além disso, a quantidade de câmeras lentas e planos aéreos enfocando exércitos sempre lembram a trilogia de Peter Jackson, o que, em contraste, prejudica Nárnia de forma inequívoca. Da mesma forma, a trilha sonora de Harry Gregson-Williams continua a exagerar, empregando acordes altos e tensos em momentos onde isso não é minimamente necessário. Basta observar o “duelo” entre Edmund e Trumpkin para perceber que a música não se encaixa de forma alguma na lógica da cena.
Apesar de tudo, há um ponto onde Príncipe Caspian fica claramente à frente de seu antecessor: a verossimilhança dos vilões traz à história uma tensão totalmente inexistente no filme anterior. Apesar disso, a necessidade de uma censura leve para atrair crianças ao cinema e a violência da história de Lewis criam um resultado absurdo, já que, apesar das inúmeras espadadas e flechadas, jamais vemos qualquer vestígio de sangue. Com isso, o filme se torna reprovável por insinuar que toda essa brutalidade não traz conseqüências reais. O mínimo que se pode dizer é que, dessa vez os combates foram melhor coreografados, investindo mais em ação do que em poses (como prova o duelo entre Peter e Miraz, bem superior àquele contra a Feiticeira), apesar de, repito, a raridade de ferimentos visíveis comprometer as sequências.
Outro ponto interessante de Nárnia 2 é a ausência de Aslam durante a maior parte do filme, o que (segundo o subtexto religioso da obra de Lewis) lhe confere um aspecto quase divino, ao contrário do que acontecia no antecessor, onde era uma presença palpável. Por outro lado, a falta de explicações para sua ausência compromete terrivelmente o filme, já que o argumento apresentado pelo leão não faz o menor sentido (“As coisas nunca devem acontecer duas vezes da mesma maneira.” E não deixa de ser curioso que ele diga duas vezes essa frase ao longo do filme, o que cria uma exceção à sua própria regra). Além disso, o roteiro ainda traz a Feiticeira Branca em uma participação totalmente dispensável: se o objetivo era estabelecer um paralelo com a tentação de Cristo, havia formas infinitamente mais econômicas de fazê-lo sem a necessidade de enrolar quase 10 minutos em um filme já longo e de chamar uma atriz em alta como Tilda Swinton para uma ponta insignificante.
Príncipe Caspian não é um filme ruim, já que, apesar de suas falhas, não cansa o espectador como fez o primeiro, sendo moderadamente envolvente. Mesmo assim, é triste reconhecer que, apesar de ter bastante potencial para tanto, a criação de C.S. Lewis ainda não conseguiu criar uma atmosfera de interesse. Dois filmes já se passaram e continuamos a saber pouquíssimo sobre a mitologia daquele universo. Tudo bem que a Terra-média de Tolkien é imbatível nesse sentido, mas o mundo mágico de J.K. Rowling é quase cinqüenta anos mais jovem que o de Lewis e já gerou filmes bem mais memoráveis e curiosos.
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