"Por favor, Deus, me ajude a trazer mais um."
Até o Último Homem é um filme confuso. Que Mel Gibson é um ótimo diretor, principalmente na hora de filmar violência, não restava dúvida, porém, o cineasta é também um homem com sérios problemas morais, como os diversos episódios que o relegaram a protagonista de apenas jornais e revistas por uns anos em Hollywood evidenciam. Isso se reflete em seu mais novo filme atrás das câmeras, lançado após um hiato de exatos dez anos desde Apocalypto. Se Desmond Doss (Andrew Garfield) brigava com seus superiores para fazer valer sua ideologia de anti-violência em meio ao caos da guerra e ainda assim se fazer presente no campo de batalha, auxiliando os feridos, o filme parece brigar consigo mesmo enquanto por diversas vezas insere uma visão preconceituosa e reducionista em uma história que, por essência, deveria ser sobre coisas bonitas.
Gibson trata (mesmo através de seu protagonista, em alguns momentos) os japoneses como animais irracionais e essencialmente maus - "eles matam premiam quem matar médicos" - e seu território uma recriação do inferno em terra, pintando os homens do exército americano como guerreiros que defendem o lado certo - como se em uma guerra existisse um certo e um errado tão bem distintos - enquanto lutam para sobreviver à selvageria de monstros - mesmo a maneira como revela aos poucos o exército japonês, primeiramente coberto pela fumaça de bombas, lembra a abordagem de filmes de monstros - que não merecem algo que não tiros que os mutilarão. Ainda assim, filma a guerra como há muito não filmavam. Suas batalhas são sangrentas, sujas e mais que sangue, transbordam tensão, O choque é buscado a todo momento, nos jogando por diversas vezes em situação experimentadas pelos personagens, seja nos forçando a reagir a imagens extremamente gráficas como ratos devorando cadáveres destroçados, seja nos deixando em dúvidas sobre quem se mantém vivo após o intenso combate, algo que só descobrimos quando o personagem de Garfield também descobre.
No entanto, durante cerca de meia hora perto de seu fim, Até o Último Homem esconde um filme gigantesco dentro de si. A imagem de um indivíduo desarmado, em meio ao devastado campo de batalha, ainda cheio de adversidades e adversários, arriscando a própria vida para salvar outras, sem distinção de lado no confronto - Doss salvou 76 feridos, incluindo japoneses -, é impressionante e emociona. Que o personagem de Garfield faça isso individualmente, desamparado pelo seus superiores e Estado, que nem o queriam lá, torna tudo ainda mais forte em uma época onde governos eleitos se vestem de ódio e intolerância para promover o oposto do que o protagonista fez, muitas vezes utilizando a religião de maneira equivocada - e cenas onde Doss, ignorando os próprios ferimentos, ora pedindo para salvar ao menos mais um são comoventes, nos lembrando que o problema não é e nunca será a religiosidade, mas sim os indivíduos podres que a utilizam para o mal -, é uma lembrança de que mesmo quando no coletivo parecemos desandar, ainda vale individualmente tentarmos.
São trinta minutos que podem não redimir todos os problemas do filme de Gibson, mas que transformam Até o Último Homem em uma experiência que merece ser vivenciada, sim, de preferência na telona, onde ninguém verá se alguma lágrima mais teimosa sair.
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