Uma grande vingança. É assim que digeri o filme Bastardos Inglórios, o último super-novo mas não tão novo assim de Quentin Tarantino. Ao som de uma música nervosa, o trailler já dá a dica: assistiremos a quase 2 horas e meia do queridinho Brad Pitt arrancando os escalpos das cabeças nazistas (ou o ‘cucuruto’, no bom e velho português) como quem separa gordura da carne tentando ser light. Acostumada com o banho de sangue tarantinista, preparei meu estômago e esperei encontrar aquele cineasta que eu já conhecia, o mesmo de sempre. Não encontrei, e gostei.
Tarantino cresceu, meus caros. A começar pela primeira cena, percebemos a evolução: não é preciso tanto barulho para passar um nível desesperador de tensão a quem assiste. O diálogo de abertura acontece entre um fazendeiro pai de família e o coronel Hans Landa, que foi até a casa para averiguar se ele não estava escondendo judeus por lá. A cena crua não se apressa a terminar, mas não dá nenhuma dica certa de qual será o desfecho. É um jogo de pique-esconde eterno entre o que acontece na tela e as indagações do espectador, e a dosagem dos fatos sendo revelados é cuidadosamente calculada para manter a curiosidade de todos. Quando descobrimos que os judeus estão sob o assoalho, achamos que seu protetor não vá entregá-los; quando o coronel tem Shosanna em sua mira, acreditamos fielmente que ele vá matá-la; assim como na cena da taverna, é impossível que a atriz Bridget Von Hammersmark não convença a nós mesmos que tem compaixão pelo soldado que acabara de se tornar pai de gêmeos. E por aí vai…
Os mais cricris vão falar (ou já falaram) que está errado tratar um tema como a Segunda Guerra mundial, que trouxe sofrimento a tantos, de maneira engraçada. Já para os fãs de carteirinha, Tarantino se perdeu nos diálogos e nas cenas paradas, faltando a sensualidade de Uma Thurman e o deus-nos-acuda de porradaria e referências pop. Que seja. Não vi em momento algum povos sendo desrespeitados pela película, e a criação de personagens bastante caricatos e sarcásticos, para mim, foi exatamente o que proporcionou um resultado brilhante sobre um tema que já andava tão batido. Aliás, nos pegar no pulo enquanto nos divertimos frente a cenas de horror não é nenhuma novidade: alguém se lembra da cena de tortura de Cães de Aluguel?
O mais importante é que Tarantino ainda está lá, na cenografia exuberante da noite de estréia no cinema de Shosanna, no cuidado com os movimentos de câmera e no uso das músicas de faroeste que já marcaram bastante Kill Bill, mas que também se encaixaram muito bem aqui. Li vários elogios sobre a atuação espetacular de Christoph Waltz (que interpreta o coronel nazista Hans Landa) – e sim, ela é tão espetacular que, até agora, sinto pavor do rosto frio e cruel do assassino de judeus. Mas também destaco no mesmo patamar a caracterização de Brad Pitt na pele do tenente Aldo Raine, um sujeito debochado, sincero e de sotaque carregado que me fez rolar de rir fingindo ser da Itália enquanto arranhava um péssimo italiano. A parisiense graciosa Mélanie Laurent também foi excepcional no papel de garota inocente-mas-não-tanto que decide se vingar dos culpados pelo extermínio de sua família. Que time, hein?
A história é de ficção e se inspira nos fatos reais para seguir uma trajetória diferente. Certos detalhes merecem atenção, como o fato de justo os americanos tomarem as atitudes mais drásticas na película, enquanto na real Segunda Guerra eles foram os últimos a sujar as mãos. Também pode ser considerada uma grande homenagem ao cinema, não só por causa dos recursos metalingüísticos, mas pela maneira de constituir seu final: usar o cinema para dar cabo a um evento de tamanha importância como a guerra mundial mostra o envolvimento da sétima arte com as questões históricas, detalhe que passa desapercebido em roteiros ‘bobinhos’ de ficção hollywoodianos. E ainda digo que a arrogância de Tarantino em mudar o percurso da história (a queda do Partido Nazista e as mortes de seus componentes seguem um enredo totalmente diferente do real em Bastardos) foi a cereja do bolo neste filme: que atire a primeira pedra quem nunca desejou infernizar a vida de um cara como Hitler e explodi-lo dentro de um cinema junto com todos os torturadores daquela época. Muito obrigada, fomos vingados.
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