Resenha para a mostra "O Sangue de Tarantino" do Cineclube CAASO:
A capitulação de “Bastardos Inglórios” (Inglourious Basterds, 2009) – com a grafia do título original propositalmente incorreta por motivos não explicados – desliza pela Europa durante a Segunda Guerra Mundial, com ênfase na França ocupada pelo exército alemão. Local este onde, em 1941, a judia Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) vê, como única sobrevivente, sua família ser massacrada a mando do coronel nazista Hans Landa (Christoph Waltz, no papel que construiu sua fama). Já em 1944, ela conseguira mudar seu nome e se tornar dona de um pequeno cinema francês. Neste mesmo período, “Os Bastardos”, liderados pelo tenente Aldo Raine, o “Apache” (Brad Pitt) – apelido em homenagem ao seu modus operandi –, aterrorizam os nazistas. Esse violento grupo se alia a uma atriz alemã e agente secreta (Diane Kruger) e juntos transformam o que era uma operação dispersa de revide ao genocídio de judeus, em um plano profissional que visa atingir o âmago do Terceiro Reich. Concomitantemente, Shosanna, ao ter conhecimento do uso de seu cinema para exibição de um filme propagandístico de Goebbels (“Orgulho da Nação”) para o alto escalão do governo alemão, também arquiteta sua vingança aos causadores da morte de sua família e de seu povo.
O cinema, sim, pode burlar a História para orquestrar uma farsa, afinal é a ficção propriamente dita; e é justamente este descompromisso com fatos históricos que permite a Quentin Tarantino construir uma poderosa observação da barbárie da guerra. Descomprometimento que se estende à falta de especificação de um gênero fílmico, sendo que o amálgama já é prenunciado pelas diversas formatações dos letreiros da abertura. Se o gênero não é definido, o caráter autoral de seu cineasta é: longos diálogos que não funcionam apenas como ferramenta narrativa, mas também como deleite; violência gráfica; técnica apurada; e fragmentação da narrativa a partir de saltos temporais que retomam situações e personagens.
Impossível chegar a um consenso se é a obra-prima do diretor, mas talvez seja sua maior declaração de amor à sétima arte, a mais sublime de suas metalinguagens.
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