Sejamos sinceros? Filmes de super-heróis, em regra, são limitados e não são bons filmes como arte, apesar de serem divertidos. Isso porque toda a sua qualidade é, na maioria das vezes, baseada no grande carisma dos personagens, construído durante décadas pelas histórias em quadrinhos e transpostos para o cinema. Mas, fora isso, pouca coisa realmente se aproveita. E é assim desde sempre. Tomemos como exemplo o primeiro grande filme de super-herói, “Superman”, de 1978. Tudo nele girava ao redor da simpatia de Christopher Reeve como o Homem de Aço. Tirando isso, tudo aquilo beirava o absurdo, especialmente o final. E ainda é assim. Afinal, qual é a graça que existe em “Capitão América: Guerra Civil”, além do fato de o Capitão América e o Homem de Ferro, dois personagens de extremo apelo, saírem na porrada? Talvez, exista apenas um único exemplar que fuja dessa sina: “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, de 2008.
Antes de falar do filme em si, vale a pena relembrar a trajetória do Homem-Morcego na sétima arte. Nos anos 1960, devido à censura resultante do falso moralismo que imperava nos EUA no início da Guerra Fria, os quadrinhos eram muito infantis, e isso refletia no seriado camp cômico que passava na TV na época (que inclusive gerou um longa, em 1966). Nos quadrinhos, a partir dos anos 1970, o tom sério voltou. Entretanto, para o grande público, a imagem do Batman ainda era do fanfarrão e barrigudo Adam West. Foi necessário que um ainda jovem Tim Burton, com seus dois bons filmes, trouxesse de volta a sombriedade para a imagem pública do Cavaleiro das Trevas. Mas aí veio Joel Schumacher e jogou, novamente, a reputação do Morcego na lama com as suas duas bizarrices. Por isso, o medo de novos fracassos imperou na Warner e na DC, até que trouxeram à tona, por causa do sucesso dos filmes da Marvel (Homem-Aranha e X-Men), um projeto para recuperar o Cruzado de Capa nos cinemas. Com o competente Christopher Nolan na direção, “Batman Begins” foi um sucesso de público e crítica, o que deu à Nolan a chance de fazer uma sequência, a obra-prima dos filmes de heróis.
Dando sequência à história da trama do filme de 2005, o Batman segue, ao lado do policial James Gordon e, posteriormente, do promotor público Harvey Dent, com a missão de limpar Gotham City. Os chefões do crime, vendo que finalmente estão sendo ameaçados, resolvem pegar pesado e se aliam à um psicopata, conhecido como Coringa, para que a cidade volte a ser como era antes.
Nas primeiras sequências, uma cena chama a atenção. Essa cena é obviamente a sequência do assalto ao banco. Toda muito bem feita, desde a fotografia até o modo como o plano do Coringa segue, com todos os membros da gangue sendo mortos. Essa sequência se encaixaria sem problemas em qualquer grande filme de ação. Mas, no finalzinho dela, o palhaço líder tira a sua máscara e “diz” ao espectador: esse não é um filme de super-herói qualquer.
Na primeira terça parte do filme, a sua edição é bem rápida, quase até passa um pouco do ponto. Nolan se preocupa aqui em apresentar (ou reapresentar) todos os personagens, desde os mais importantes como Lucius e Rachel, até os menos que, entretanto, acabaram ganhando uma importância depois, como Sal Moroni e o Sr. Reese. Aqui está um ponto forte do filme. Ele possui algumas subtramas, como a dilema do Sr. Reese ao descobrir os segredos de Lucius. No entanto, o filme é tão bem amarrado que nenhuma dessas subtramas fica como ponta solta. Todas elas possuem uma finalidade, que acaba indo até a trama principal, deixando-a mais rica. O filme possui pontos fracos? Claro que possui. Toda aquela sequência da investigação da bala encontrada no tijolo, apesar de ser bem-intencionada (o fascinante lado detetive do Batman nunca foi bem explorado nos cinemas) é desnecessariamente longa e confusa. No entanto, passa longe de comprometer o resultado final.
Seria chover no molhado elevar como ponto forte do filme a atuação de Heath Ledger, agora, oito anos depois. Apenas reitero todos os adjetivos positivos que lhe deram até agora. Alguns consideram a participação do seu Coringa como uma analogia ao temor terrorismo, que assolou o mundo durante a Era Bush (o filme foi lançado em 2008, último ano do governo do texano), chegando até mesmo a associá-lo à Osama Bin Laden. De fato, existem semelhanças. Os mafiosos o contrataram para derrotar um inimigo em comum. Bin Laden era oriundo da Al Qaeda, uma organização treinada pelos EUA durante a Guerra Fria para conter o avanço soviético na Ásia Central. Depois, o Coringa, tal qual a Al Qaeda, se volta contra tudo e contra todos, querendo apenas propagar o seu ódio e o terror. “Apenas quer ver o circo pegar fogo”, define o fiel mordomo Alfred. Ele, como um agente do caos, não é previsível, está completamente fora de controle. Batman, como Bush (a cena em que o Batman está nos destroços da delegacia que o Coringa explodiu lembra muito Manhattan nos dias seguintes ao 11 de setembro de 2001), tenta usar da força bruta para contê-lo. “Esse é o tipo de mente que o Coringa atrai”, diz o Batman à Harvey Dent. Pessoas do mundo inteiro com vazio existencial se juntam às organizações terroristas. Pessoas mentalmente perturbadas se aliam ao Coringa para tocarem fogo no circo. “Incendiamos a floresta”, novamente diz, em tom de conselho à Bruce, Alfred. Bush incendeia o Afeganistão à procura do terrorista e não o encontra. Batman está disposto a jogar um homem do terceiro andar de um prédio para obter um paradeiro do Palhaço Assassino. Também em vão. “Ou você morre herói ou vive o bastante para se tornar o vilão”, diz Harvey Dent à Bruce. Soldados norte-americanos, antes boas pessoas, se transtornam de tal forma com a guerra ao terror que, voltando para casa, não conseguem de adaptar. O promotor Dent, depois de perder sua esposa e ser deformado, também não aceita voltar à sua velha tática e busca por vingança, a qual chama de justiça.
Realmente, esse não é um filme de super-herói qualquer.
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