Para quem olha de fora, sem ler muito a fundo sua obra ou ler apenas On The Road, a vida de Jack Kerouac pode parecer uma onda de bons momentos e aventuras sem fim. Porém é só dar uma lida mais a fundo em obras como Tristessa e Big Sur para ver que a vida do escritor estava longe de ser uma maravilha. Como todo sujeito deslocado de seu tempo, Kerouac viveu uma existência turbulenta, embalada por álcool, drogas e jazz.
O tão aguardado Na Estrada (On The Road, 2012), de Walter Salles acabou decepcionando muitos fãs do escritor. Alguns disseram que o diretor não soube transportar a aura de Kerouac para o filme, outros que essa aura era intransportável mesmo. Outros, acredito que o menor grupo desses, gostou da adaptação de Salles. Eu me encaixo nesse terceiro grupo. Mas isso não vem ao caso. Um ano depois de Na Estrada, veio Big Sur (Idem, 2013), de Michael Polish. Muito menos badalado que o primeiro, que estreou em Cannes, esse estreou em Sundance. A recepção dos fãs, porém, foi superior.
Primeiramente o que se deve analisar aqui é que o filme foi feito para os fãs de Kerouac. A estrutura é a mesma do livro, ou seja, não é muito convencional e por isso não deve atrair quem não esteja familiarizado com a narrativa do autor. Polish opta por usar sempre que possível o off para traduzir os pensamentos do protagonista, ainda mais nos momentos de solidão que o escritor passou na cabana em Big Sur. O ritmo das falas também é frenético, como se estivessem declamando poemas a todo tempo, os personagens não dispensam gírias e conversas truncadas.
O apelo sensorial também eleva a obra. A linda fotografia enche os olhos ao se aproveitar das belas paisagens de Big Sur, além de cenas em estilo documental que simulam o dia a dia de Kerouac. Nos embalos de ressaca e deterioração mental de Kerouac, adentramos num mundo de pesadelos que o autor viveu e descreveu tão vivamente em sua obra. O problema com o alcoolismo, que acabou por matar Kerouac, foi ressaltado nesse livro e a escolha do diretor de manter esse foco é das mais acertadas.
Mas o maior destaque é Jean-Marc Barr. Dando vida a um Kerouac cansado e entediado, ele acerta em todas. No tom de voz, no ritmo apressado de falar e nas expressões descontentes do Kerouac quarentão. Seus colegas também estão bem dirigidos, principalmente Josh Lucas, que dá vida ao famoso Neal Cassidy. O fato é que, se Neal Cassidy está vendo isso de algum lugar, deve estar muito orgulhoso pelas atuações de Josh Lucas e Garrett Hedlund, que o interpretou sob o codinome de Dean Moriarty em Na Estrada.
Talvez falte um pouco para Big Sur funcionar como uma narrativa fílmica. O roteiro vem do nada e vai para lugar algum, servindo apenas como um estudo de personagem que na verdade nem é tão denso assim. Polish demonstra saber disso, deixando bem claro o descompromisso com uma conclusão ao final do filme. O que resta, que não é pouco, é a homenagem ao fluxo de escrita de Kerouac, que está presente aqui a cada palavra.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário