Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
“A popularidade é a prima promíscua do prestígio.”
Esqueça aquela imagem de glamour que associamos imediatamente a profissão de ator/atriz. Para alguns intérpretes sua arte se torna um peso a ser carregado para todo canto. Você perde sua identidade e ao invés de seu nome, as pessoas chamam o daquele seu personagem que virou um estigma quando querem tirar fotos ou um autógrafo. Michael Keaton foi Beetlejuice no filme originalmente homônimo, foi Ray Nicolette quando se juntou com Tarantino em Jackie Brown, mas o pessoal ainda lembra dele como o Batman do filme do homem-morcego de 1989. Aí vida e arte se confundem e se tornam uma só, Keaton se torna Riggan Thomson, Batman vira Birdman, as coincidências abundam e Alejandro González Iñárritu nos entrega um filmaço metalinguístico que não cansa de brincar com teatro, cinema, egos inflados e feridos e com a própria linguagem cinematográfica ao nos apresentar uma produção também tecnicamente arrebatadora.
Filmado em diversos planos sequências que se juntam e formam o que parece um única longo plano que atravessa dias e ambientes com uma qualidade assombrosa – cortesia dele, claro, o mesmo Emmanuel Lubezki que já nos deixara de boca aberta em Filhos da Esperança e Gravidade -, Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) – um daqueles casos em que o subtítulo faz todo sentido e já estava lá no original – coloca o tal Thomson, um ator admirado pelo grande público que mais lhe vê como seu grande personagem do que como um ator de verdade, na liderança de uma peça de teatro adaptada de Raymond Carver, escrevendo, dirigindo e atuando em busca do prestígio da crítica e dos colegas de indústria.
Aí os planos longos que seguem Thomson pelos corredores de um teatro, pelo seu camarim e pelas ruas de Nova York se tornam a claustrofobia pura – auxiliados pelos geniais solos de bateria jazzística de Antonio Sanchez, que remetem ao também genial e indicado ao Oscar Whiplash – Em Busca da Perfeição - de alguém que sabe estar entregando tudo que tem – financeira e metaforicamente – em uma última tentativa de ser respeitado e que representará seu fim caso falhe. Não que Thomson precise desse respeito de fora. A coisa é mais de dentro mesmo. O cara parece estar insatisfeito de chegar à meia idade e ser lembrado por uma fantasia e não por seu talento. Não que seu fim seja realmente o fim, seria mais uma volta ao que representa seu sucesso e fracasso, a máscara de Birdman – que genialmente é recolocada em seu rosto em forma de ataduras quando o personagem finalmente alcança o que almejava.
Sofrendo de problemas psicológicos graves que o fazem pensar se comunicar com seu personagem mais famoso – e inclusive enxerga-lo em dado momento - e movimentar objetos com o poder da mente, o personagem de Keaton caiu como uma luva para o ator que entrega tudo que tem em cenas solitárias, com monólogos brilhantemente escritos e atuados, e naquelas que contracena em que lida com seu ator-problema, que mistura o gênio difícil com um talento genial para atuar e que poderia bem ser Edward Norton, mas é só interpretado por ele, a filha ex-junkie que parece pronta para uma recaída e que encontra nos olhões lindos de Emma Stone sua representação perfeita, além de uma atriz novata (Naomi Watts) na Broadway, o agente e melhor amigo apreensivo pelo sucesso da peça (Zach Galifianakis) e a crítica de teatro (Lindsay Duncan) que ameaça detonar a peça de um homem que representa tudo que ela mais odeia em sua arte.
Surpreendentemente divertido (é do diretor de dramas com mão pesada, ainda que de qualidade, vale lembrar) em diversos momentos que fazem joça com nomes famosos da indústria cinematográfica e com situações da mesma – nesse ponto acaba lembrando o excelente Acima das Nuvens, de Olivier Assayas, outro ótimo exemplo de metalinguagem -, Birdman acaba se tornando em seu final ambíguo também uma declaração de amor à arte de atuar – nos palcos, em frente às câmeras -, mostrando que qualquer ceticismo se esvai quando diante de uma entrega plena em nome do amor à essa arte. Por que quando o sangue, suor e lágrimas são dados em nome da arte só o que resta é aplaudir, emocionar, elogiar, transformar popularidade em prestigio e não mais lembrar de Birdman ou Batman, mas de Thomson e Keaton. Lembrar de Birdman (o filme), enfim, e ter mais uma vez a certeza de que é por filmes assim que vale a pena ser apaixonado pelo cinema.
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