Não tem jeito, o momento é mesmo dos filmes de super-heróis. A editora norte-americana de quadrinhos DC Comics anunciou recentemente quais serão os filmes que serão adaptados de suas obras até o ano de 2020. Ou seja, eles já deram a deixa de quais serão os filmes que disputarão a tapas as bilheterias no mundo todo no restante dessa década juntamente com os da arquirrival Marvel. Essa avalanche de filmes baseados em pessoas com super-poderes vestidas de colante que usam cueca por cima da calça começou no ano 2000, com a primeira adaptação de “X-Men”. Claro, já haviam filmes de super-heróis antes, mas era bem menos frequentes. Um desses fol “Batman”, dirigido por Tim Burton e que contava com Michael Keaton vestido como o Cavaleiro das Trevas. E foi justamente Michael Keaton o escolhido para protagonizar “Birdman”.
O filme parte do ponto de vista de um experiente ator vivido por Keaton chamado Riggan, que está passando por uma grande crise de identidade. Ele não consegue de desassociar de um papel que interpretou muitos anos antes que o tornou mundialmente famoso. Justamente um papel de super-herói. Isso se tornou um verdadeiro fantasma para ele, perseguindo-o por onde quer que ele vá. Em alguns momentos, isso ganha um caráter esquizofrênico, com Riggan chegando a ouvir a voz do super-herói (que ele mesmo deu no passado!) dizendo o que ele deve fazer. Para tentar mandar essa paranóia para longe, Riggan tenta ser o diretor e autor de uma adaptação para o teatro de um livro dramático que o marcou na juventude. Vale a pena falar aqui da cena na qual essa loucura é apresentada, com Riggan no camarim, prestes a mais um ensaio de sua peça, e o pôster de seu velho filme atrás dele. A primeira vez que esse cartaz aparece é justamente como Thomson se olhando no espelho do camarim. Ou seja, ele nada mais é do que um reflexo de um velho ator com o seu antigo papel de vinte anos atrás. Desse tempo pra cá, o seu casamento foi arruinado e a sua filha caiu nas drogas. Ele ele, aparentemente, foi só um espectador de tudo isso. No presente, onde blockbusters de super-heróis que ele no passado semeou, ele está deslocado, nu, apenas de cuecas em meio ao Homem-Aranha, ao Homem de Ferro e ao Capitão América. Ele está tão fora da realidade que, mesmo na sua nova peça ele usa perucas em todas as cenas. De repente, um ator bem mais jovem chamado Mike é chamado para contracenar com ele na sua peça. Aqui se vê mais uma vez o choque de geração da arte, quando Mike tenta dar uma cara mais moderna à peça de Riggan, e isso acaba gerando um atrito enorme entre os dois.
As sequências que o filme vai mostrando logo como começa são ótimas. Na verdade, seria mais justo falar de “sequência”, no singular, pois o filme foi editado de um jeito que dá a sensação que a sua maior parte, na verdade, é uma única sequência. As cenas que se passam nos bastidores da Broadway são um espetáculo à parte. Os corredores parecem não ter fim! E a fotografia do filme é espetacular, seguindo os atores por onde eles passam nos corredores, quase colocando o espectador em primeira pessoa nas cenas, ajuda muito a dar essa sensação de que por trás dos palcos, o teatro é um claustrofóbico labirinto. E a trilha sonora, que na maioria das vezes é apenas uma bateria comum tocando, enriquece ainda mais o conjunto. Tudo isso somado dá ao filme, logo de cara, um ritmo excelente.
Apesar de não ter nenhuma atuação de outro mundo, o elenco está muito bem. A harmonia que os atores estão impressiona. O filme, na sua segunda metade, perde bastante o ritmo forte e tenso que tinha no início, mas não afetou o resultado final. Espero que “Birdman...”, depois de todos os prêmios que recebeu, sirva como um exemplo para os cineastas de que dá para criar um filme de qualidade que consiga, ao mesmo tempo, satirizar a própria arte.
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