Há de início um desencontro entre câmera e narrativa. Sofia Coppola busca um certo distanciamento de suas personagens, considerando os enquadramentos amplos e a mise-en-scène seca, sem muitos rodeios. Os adolescentes não raro são vistos como ratos de laboratório e Coppola está lá para observá-los em pretensa zona de neutralidade, numa quase identificação com a jornalista dos flash forwards. É essa distância que permite um julgamento moral nas entrelinhas, à medida que o filme escancara, até repetitivamente, a futilidade dos protagonistas (para não dizer a burrice). Mas isso tende a enfraquecer o conjunto da obra no primeiro ato. Se a câmera filma os objetos e closets de Paris Hilton com pretensa impassividade, beirando ao niilismo estético, as personagens em contraste empolgam-se fervorosamente com os mesmos. Não se trata de qualquer sapato. Não se trata de qualquer bolsa. É o sapato de Paris Hilton. A bolsa de Megan Fox. Os objetos tem para os jovens um significado que a câmera não parece compreender, e a mera exposição dos ladrões e objetos de furto mais os tabloides de fofoca não é o suficiente para se conhecer esse jogo de significação, status e imagem.
Contudo, Sofia Coppola sabe bem do que está falando e com que pessoas está lidando. Sendo filha de ninguém menos que Francis Ford Coppola, é natural que ela conheça a high society suficientemente bem para não se por totalmente do lado de fora. Pelo contrário: na cena inicial a câmera está colada nos jovens, como se também fizesse parte da gangue. O plano geral enquadrando de longe a mansão de Audrina Patridge ilustra bem a posição da autora. Se por um lado há um desejo de neutralidade pelo distanciamento da câmera, por outro há um exercício estético bastante lúdico na mise-en-scène: os adolescentes são ratinhos de laboratório percorrendo uma casa de bonecas, acendendo e apagando as luzes conforme deixam seus rastros. A casa em si se destaca cromaticamente no plano noturno, na contraluz potencializada pelas luzes brancas e azuis, refletidas nas paredes perfeitamente planas da construção. A câmera, inclusive, começa a se aproximar lentamente da mansão antes que o furto acabe, como se a casa fosse um centro de gravidade que diluísse a “abordagem documental”.
Portanto, assim como em Maria Antonieta, Coppola encontra na situação toda um motivo de regozijo estético e narrativo. O esquema “celebridade foi viajar - onde fica sua casa? - bora roubar” torna-se um jogo narrativo muito irreverente apesar das repetições, com direito a tiradas do tipo “Ela não vai notar. É a Paris Hilton, lembra?”. A mesma vitalidade se encontra nos exercícios de estilo: as sobreposições de luzes e os jogos de contraluz em planos noturnos, a luz branca quase estourada, refletindo o ambiente asséptico das mansões, a câmera em slow-motion acompanhada do instrumental de musica eletrônica. Os planos pretensamente impassíveis do começo não demoram a celebrar a materialidade dos objetos de grife, exibindo a diversidade de cores, formatos e texturas, e a mansão requintada de Paris Hilton é convertida num motivo cenográfico potencial. É nesses momentos que o filme ganha mais força: ao reconhecer o êxtase dos jovens na danceteria ou na caminhada triunfante sobre as calçadas de Beverly Hills, e por um momento o grande clímax da história é a protagonista se admirando no espelho de Lindsay Lohan, momento filmado em slow motion mais exagerado e apropriado possível.
Nesse curso, o que impera no ato final não é um moralismo mas uma ironia perversa. A derrota dos jovens no tribunal é filmada com o mesmo “glamour” das cenas da boate e no interrogatório da polícia a protagonista só se interessa pelo depoimento de Lindsay Lohan. E nem entramos no mérito da personagem caricata de Emma Watson. Coppola claramente se diverte ao apresentar a celebridade teen como a maior patricinha da gangue, com deleite especial nos momentos em que sexualiza a personagem em contraste com a mocinha dos filmes de Harry Potter. A cena final por si só é um grande achado e não é absurdo cogitarmos a euforia da verdadeira Nicki ao descobrir que ninguém menos que Emma Watson faria seu papel no filme. No mais, Coppola não está em busca de respostas ou teorizações. Pelo contrário: seu filme enfraquece quando busca alguma explicação plausível sobre a gangue. Bling Ring, como As Virgens Suicidas, é construído por imagens irredutíveis, onde nada pode ser retirado ou incluído, restando somente o aqui e agora - o que não implica necessariamente um vazio de significado ou a ausência de uma subversão estética.
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