Nicole: “Sabe quando dizem aproveite o momento? Não sei, mas acho que é ao contrário. Como se o momento nos aproveitasse.”
Mason: “Eu sei, é... É constante. Os momentos são... Parece que sempre é o agora, sabe?”
Nicole: Sei.
Richard Linklater é um mestre em filmar a passagem do tempo. Poucos são os cineastas que captam em suas obras os efeitos físicos e psicológicos do passar dos anos na vida das pessoas como o texano. E se digo pessoas e não personagens, é por que em Boyhood: Da Infância à Juventude ou em sua trilogia do Antes, não parecemos assistir atores emprestando o corpo a personagens criados por um roteirista, mas figuras que de tão tridimensionais e complexas, parecem sempre refletir as pessoas do lado de cá da tela – não raramente, nós mesmos.
Esqueça todo o papo sobre o revolucionário método de filmagem de Linklater aqui – o cineasta rodou a produção ao longo de doze anos, reunindo seus atores por alguns dias por ano ao longo desse período para completar a obra -, que é, sim, incrível, um aprofundamento do que ele próprio fez (faz?) com a história de Jesse e Celine – curiosamente, a produção de Boyhood começou antes do segundo capítulo do relacionamento dos personagens de Ethan Hawke e Julie Delpy. O que importa não é COMO Boyhood foi filmado, mas O QUE foi filmado. Se “todo filme é um documentário”, como defende Bill Nichols em sua Introdução ao Documentário eu não sei, mas Boyhood é, pois através do retrato de Mason Jr. (Ellar Coltrane), o garotinho de seis anos que admira o horizonte e ao longo de doze anos se torna o jovem de dezoito anos que ainda admira o horizonte, capta toda uma época e as pessoas que a vivenciam/vivenciaram. Ou ao menos boa parte delas. Através de Mason Jr., Linklater capturou muita coisa sobre mim, por exemplo, apesar de eu ser muito mais contemporâneo da irmã do protagonista, Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor).
Esse olhar admirado de Mason Jr. para o horizonte, aliás, sintetiza muito da sensação de assistir Boyhood. Olhamos para algo ao mesmo tempo tão simples e tão complexo, e por isso mesmo, tão lindo. A frase é um lugar-comum, mas, sim, Linklater capturou o viver e colocou em uma tela em forma de filme. Daí tantos acharem a experiência enfadonha, acusarem o filme de não ter um grande momento dramático, etc. Acusam o filme de por conta disso tudo não ser mágico, sem perceber que justamente por isso ele o é. É tudo a perspectiva de quem olha, não do que é mostrado. É mais ou menos com Mason Sr. (Ethan Hawke, novamente ao lado de Linklater) ensina ao filho em dado momento: não é que não exista mágica no mundo, uma baleia pode ser um ser tão fantástico quanto um elfo, é só olhar do jeito certo. E é por essas e outras cenas que Boyhood é uma obra-prima. Linklater vai lá, liga sua câmera e filma a vida de seu protagonista, sem se preocupar com a espetacularização do que ocorre. Pra que dividir o filme (e a vida de seu personagem principal) em pontos demarcados, como a mãe de Mason Jr., Olivia (Patricia Arquette) faz em certo instante se é muito melhor filmar tudo e deixar as pequenas coisas ganharem dimensão e se tornarem gigantes?
Sim, Mason Jr. passa pelo divórcio dos pais, constantes mudanças de endereços, novas amizades, primeiro beijo, decepções amorosas, um porre com os amigos, as dúvidas da idade adulta que se avizinha, etc. e etc. Mas será que tão importante quanto isso não pode ser uma conversa aparentemente casual com a mãe antes de um passo importante de sua vida? O personagem de Coltrane vive cada um desses momentos – ou os momentos o vivem?, por que como o diálogo com uma nova amiga, Nicole (Jessi Mechler), nos indica, o tal do Carpe Diem está ao contrário -, mas não é definido por nenhum deles em particular. É definido por todos. Somos todos um amontoado de experiências que nem sempre são marcantes, mas permanecem lá. Seria errado dizer que por não nos lembrarmos de determinado momento de nossas trajetórias ele não foi importante, por isso que Linklater filma tudo com uma naturalidade assombrosa – como já fizera com a história de Jesse e Celine -, sendo ajudado pelo desempenho tocante de seu quarteto de atores – cada um merecedor de um prêmio que, no entanto, faria muito mais sentido sendo entregue ao conjunto -, liderado pela revelação Ellar Coltrane, que talvez nem faça mais outro filme, tendo ainda assim escrito seu nome na história da sétima arte. Nada é importante e tudo é. Mesmo que no momento os personagens nem suspeitem disso, pois estão ocupados demais com o agora.
Por que tudo é o agora e nada é. O agora parece ser a menor medida de tempo, dura menos do que podemos pensar e logo é passado. E se não é passado ou o agora, é futuro, e pro futuro podemos apenas olhar contemplativos, esperando chegar lá e aproveitá-lo ao máximo. Aproveitar, aliás, parece a palavra chave no que diz respeito à vida. Sempre se tropeça nisso. Mas, afinal, é menos certo por ser algo que todos sabem? Não. Por que passa o contexto todo de uma época - as músicas pop (de Coldplay à Lady Gaga, passando por Britney Spears e Beatles, por que Beatles é de todas as épocas, claro), os filmes e séries de TV (seja Harry Potter e Star Wars ou mesmo Dragon Ball Z), a política (Obama ou McCain?), a tecnologia (dos telefones grandes e pesados aos celulares touch, que exibem clipes ao menor toque do dedo), tudo isso ilustrado em Boyhood, através de seus personagens - e o que fica é o efeito disso em nós mesmos. O que foi moldado a partir de todas essas influências e daqueles a nossa volta - mesmo sem saber, podemos mudar MUITO o outro, como a mãe de Mason viria a descobrir casualmente. E, cara, como é lindo acompanhar doze anos de toda essa ação do tempo, doze anos de uma vida (aliás, várias vidas) em pouco menos de três horas.
Não Pedrão. Não vi nenhum desses. Minha primeira experiência como esse tipo de filme dele foi com Boyhood mesmo.
Simplesmente não funcionou quase nada comigo desse longa, achei simplesmente um embuste. Mas pelo que discuti com outras pessoas vem me parecendo um caso aproximado do esquema ame-o ou deixe-o para muitos.
Concordo com Ted Rafael.
Filme subestimado de um diretor subestimado.
Slacker e Dazed and Confuse são bons filmes,mas Linklater está longe de uma carreira sólida como Eastwood, Paul Thomas Anderson e David Fincher.
The Immigrant é muito superior ao filme em discussão...mas foi pouco valorizado na época
Ótimo comentário! Fico muito triste em pensar que "Boyhood" não levou o Oscar (apesar de eu também ter adorado "Birdman" e achar que foi um dos melhores vencedores dos últimos anos). Aliás, os dois protagonistas de 'Melhor Filme' desse ano são os mais fortes em anos!
Filme belíssimo esse! Eu tive um olhar bastante filosófico sobre ele. Aliás, belo texto! Gostei, principalmente, do trecho da baleia, transmitindo bem a essência da beleza do filme.