Um dos processos de produção que estudamos nas academias de Comunicação é a força que o “real” ganhou na cultura. Nunca aconteceu com você de, ao ouvir uma música e depois sua versão ao vivo, achar ruim que a gravada em estúdio possui modificações? Queremos cada vez mais que o produto seja igual ao real, caindo em decepção quando eles muito se diferem. Estamos cada vez mais demandando o puro, o cru, o seco.
No audiovisual isso também acontece. É só aparecer um “Baseado em fatos reais” que um interruptor em nossa cabeça se aciona, nos deixando interessado pela história. Também há aquele movimento de transformar a ficção em real, como nos “foundfootage”, filmes de terror filmados em primeira pessoa como “A Bruxa de Blair”, “Atividade Paranormal” e tantos outros. O formato é falso, sabemos, mas feito de forma “verdadeira”, “real”, o que já deixa a experiência mais palpável e atrativa.
“Boyhood: Da Infância à Juventude” tem uma ideologia parecida, mesmo que não tão forte. O filme conta o crescimento de Mason Evans Jr. (interpretado por Ellar Coltrane) da infância à juventude. Literalmente. O filme foi filmado em 12 anos, um pedacinho a cada ano na vida de Ellar, dos seis aos dezoito, acompanhando também sua família, formada pela sua mãe Olivia (Patricia Arquette), seu pai divorciado Manson (Ethan Hawke) e sua irmã Samantha (Lorelei Linklater), que é inclusive filha do diretor, Richard Linklater.
Certo, o filme foi filmado em 12 anos. O que isso agrega? Pela primeira vez na história nós literalmente vemos os atores crescerem diante dos nossos olhos. É uma experiência inimaginável e muito corajosa, afinal, se um filme filmado de uma só vez enfrenta diversos problemas, imagine um feito em 12 anos. Experiência maior que a nossa só mesmo a dos atores, que agora possuem seus crescimentos imortalizados.
Para diminuir os possíveis percalços no processo de produção, Linklater optou por simplificar todos os seus aspectos, desde as filmagens em si até o roteiro, e é aí que o filme encontra a maior barreira. O roteiro de “Boyhood” é simplório ao extremo. Não há grandes conflitos ou dramas que preencham com força sua longa duração (são 165 minutos, quase três horas), o que enfraquece a obra como um todo.
Um dos principais argumentos de defesa para isso é que essa simplicidade “reflete a vida de todo mundo”. Tudo bem, realmente conseguimos nos identificar em diversos momentos, como na cena em que Samantha assiste ao clipe de “Telephone” de Lady Gaga e marca de ir à “The Monster Ball Tour” (quem nunca?), mas é isso? Só isso? Essa “basiquês” faz com que o filme se torne ordinário, usual, mais um. Se não fosse os 12 anos, seria um filme qualquer sobre a infância de um garoto, o que traça um paralelo com outro filme: “Avatar”.
A maior bilheteria da história do cinema (sem a manutenção da inflação) foi um dos maiores avanços técnicos da Sétima Arte, porém, seu roteiro é, assim como o de “Boyhood”, básico. É a técnica que prevalece. Essa técnica é sim importante, afinal foi seu aprimoramento que fez o cinema chegar aonde chegou atualmente, mas essa arte é, acima de tudo, uma arte de contar histórias. A crueza de “Boyhood” poderia sim ser o que desejávamos lá nos primeiros parágrafos, aproximando-nos da “realidade”, mas decai em convencionalismos pobres e sem graça.
Vamos pegar outro filme para ilustrar isso. “Dois Dias, Uma Noite” (Deux Jours, Une Nuit) conta a história de uma mulher que tem o tempo dado no título para convencer colegas de trabalho a abrirem mão de um bônus salarial para que ela possa voltar ao trabalho. O filme é seco, cru, sem firulas e conta a história hiper-real e próxima da nossa realidade. Mesmo que não tenhamos vivido aquilo (como “Boyhood” se vende), a todo o momento nos colocamos nos lugares dos personagens e sentimos suas dores e alegrias. Foi isso que faltou em “Boyhood”: dramas, enlaços e conflitos que saiam do óbvio e do marasmo, que o tirassem do mar do comum.
Mesmo simplificando o todo, Linklater não conseguiu escorregar em algumas passagens clichês e até amadoras, como por exemplo: em uma cena perto do final, quando a família está num restaurante, a câmera dá um corte pra um garçom de costas, já construindo a ideia de que ele entrará na sequência. Ele vira e vai até a mesa. Fala com Olivia um diálogo curto e provavelmente escrito às pressas, sai e a câmera corta para Arquette fazendo cara de nada. A cena continua como se nada tivesse acontecido simplesmente porque a importância do momento é inexistente. Hum?
Mas vamos evocar as qualidades do filme: Patricia Arquette é a melhor atriz do filme, construindo uma mãe crível e sincera que deve lhe render o Oscar de “Melhor Atriz Coadjuvante” – a concorrência esse ano está fraca e o Globo de Ouro da categoria ela já ganhou. A montagem do filme é bem eficiente (apesar dos erros como na cena do parágrafo anterior), conseguindo unir os segmentos dos anos diferentes sem que haja o choque tipo “agora veio outro ano”. É tudo natural e fluido, fazendo com que pisquemos e lá esteja Manson enorme.
Alfred Hitchcock dizia que o cinema é a “vida com as partes maçantes deixadas de fora”. Se levarmos essa máxima como verdadeira, “Boyhood” não é cinema. Não que ele seja ruim (não é), mas, apesar de ser um marco na forma de explorar as faltas de limites do cinema, cai numa das maiores superestimações dos últimos anos, tanto que poderia tranquilamente passar na nossa querida Sessão da Tarde sem que ninguém percebesse se tratar de um filme tão aclamado.
Pois é cara, além de uma campanha de marketing muito boa (para além de seus realizadores) o filme conta com seu amontoado de lugares-comuns que trazem muito apreciadores, então a coisa só cresce ao redor do filme. Mas no fim das contas é bem esquecível.
Eu curti o filme só pela realização dele mesmo... só achei legal acompanhar o crescimento deles, mesmo que a trama não tenha nenhum atrativo. Acredito que agora que Boyhood fez um relativo sucesso e ganhou prêmios, muitos diretores vão querer pegar essa ideia, e não vai ser difícil fazer algo melhor não.
Oh, mas será FACÍLIMO fazer algo digno de verdade. Linklater perdeu uma grande oportunidade de fazer algo realmente memorável.
Fred, esse ponto que você tocou (da dor) é muito verdade, eu nem tinha me atentado. É, o roteiro perdeu muitas chances de ser grande. E obrigadíssimo pelo elogio 😁