Minha Maratona Woody Allen:
BROADWAY DANNY ROSE (1984)
Esse foi o primeiro filme do diretor que vi em minha vida. Com uma afirmação tão sincera, acabo me deparando com um problema: será que minha análise poderia ser afetada por tanto carinho? E se exagerar nos elogios, apenas levado por meu lado sentimental e nostálgico? Como resolver tal problema? Tentarei ser o mais imparcial possível.
Danny Rose (Woody Allen) é um agente de artistas completamente fracassados (um ventríloquo gago, um tocador de xilofone cego, etc.) que vê sua grande chance aparecer com Lou Canova (Nick Apollo Forte), cantor italiano das antigas que está começando a ascender no meio. Lou é uma pessoa terrivelmente instável, briguento, beberrão, casado, mas que tem uma amante chamada Tina (Mia Farrow), que é ainda mais instável que ele. Quando Lou pede a Danny que traga Tina para uma apresentação sua, o agente sente que está se metendo em confusão, mas aceita realizar a tarefa.
Mais uma vez Gordon Willis, mais uma vez preto-e-branco. O filme cria uma atmosfera evocativa de um mundo cheio de cinzas, mas, diferente de outras obras com temáticas mais sérias (como “Manhattan” e “Memórias”), onde as personagens apenas transitam melancolicamente tentando melhorar de vida, temos aqui um curioso aconchego, como uma nostalgia saudável, ainda que um pouco melancólica, o que é reforçado pelo roteiro ao incluir personagens se lembrando de curiosas histórias sobre Danny Rose. Mesmo não tão belo quanto em “Neblina e Sombras” (onde a direção de arte ampliava o efeito da fotografia), este longa consegue hipnotizar o olhar de quem admira a estética da luz e sombra (seja no branco opressor que permeia a fuga de Tina e Danny ou na atmosfera melancólica do interior do apartamento do agente). Também o figurino espalhafatoso é fundamental para se identificar pequenos apontamentos da narrativa (das golas estampadas de Danny ao figurino de apresentações de Lou), diferente da direção de arte que, muito mais sutil, mas não menos importante, permite que o diretor consiga compor belas imagens que dizem muito sobre seus personagens.
Woody Allen está sempre se apoiando em seus próprios tiques e gestuais para criar seus personagens, mas a diferença aqui está na maneira otimista, quase cega, com que enxerga o mundo e as situações. O que diferencia Danny de outros personagens de Allen é que ele continua lutando contra essa aceitação (de que é realmente um fracassado), apesar de saber disso – a cena em que ele gagueja e desconversa quando alguém lhe joga na cara que foi abandonado por seus antigos agenciados. Mia Farrow, quase irreconhecível, cria mais um tipo marcante em sua galeria de personagens, mas com um toque muito mais forte (diferente do que está habituada a fazer). Tina é dura, ressecada por sentimentos contraditórios, excêntrica e cética para com as pessoas que a cercam (mas curiosamente vive consultando uma clarividente em momentos de crises). E o Lou Canova de Nick Apollo Forte consegue transmitir a canastrice típica de figurões que, mesmo não sendo bonitos, conseguem emanar sensualidade.
Cercado por duas grandes obras (os brilhantes “Zelig” no ano anterior, e “A Rosa Púrpura do Cairo” no ano seguinte), “Broadway Danny Rose” apresenta-se como uma joia maravilhosa, infelizmente afogada pelo tempo e pelas circunstâncias em que se encontra, além de reciclar a fórmula do “under dog” e fazer uma bela homenagem aos artistas menores que são esquecidos e cruelmente apagados do showbiz. Este filme acabou preterido na maioria das listas de melhores de Woody Allen, mas permanece firme na minha memória e merece ser redescoberto.
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