Eis aí um filme injustamente esquecido pelo mundo cinematográfico e desdenhado pela crítica especializada. “Caindo na Real” talvez seja uma das melhores comédias românticas a retratar com fidelidade, as expectativas e angústias de uma geração no início dos anos 90. Estrelado por Winona Ryder (em uma de suas melhores atuações da carreira), Ethan Hawke (sempre excelente) e Ben Stiller (que também se aventura como diretor da película), o filme que dosa humor, nostalgia e sensibilidade, é genial em nos dizer que a vida adulta é bem complicada, ainda mais nos quesitos "amor" e "profissão".
E se nessa dupla temática o filme é muito bem realçado, ele também é feliz em abarcar temas complicados da geração MTV, como sexo, homossexualidade, HIV, sonhos, desilusões e crises existenciais. Na trama, temos as típicas indagações românticas do tipo “com quem devo ficar”, muito bem vividos por Winona Ryder no papel de Lelaina Peirce, uma garota de 20 e poucos anos, insegura e perdida em um mundo diferente do que desejava no dia de sua formatura na Universidade. Ela personifica muito bem o implacável aborrecimento pós-universidade, cada vez mais comum nos nossos dias, já que a realidade pesa para o jovem com canudo na mão que deseja obter um emprego decente.
Esse drama é bem sentido pelo espectador, já que o filme começa na formatura de Lelaina, exposta como uma oradora otimista e sonhadora de um tempo promissor. Igualmente, no início da história, conhecemos outros personagens importantes, os amigos e colegas de graduação de Lelaina – Vickie (Janeane Garofalo), Sammy (Steve Zahn) e Troy (Ethan Hawke) – que juntos com ela, vivem uma das cenas mais inspiradoras do filme: sobre um telhado em Houston, eles bebem cerveja, fumam cigarros e cantam, felizes sobre o encanto de sua noite de formatura. Por essa imagem, eles parecem destinados a grandes feitos e vidas. Porém, o que se tem nesse começo, é a preparação para um embate de realidades. Assim que o filme prossegue, temos a ruptura daquela cena encantadora, arremedada pelas dificuldades da realidade cotidiana, algo que calca o percurso da protagonista na narrativa. É como se fosse um despertar de um sonho, um banho de água gelada nos personagens. Aliás, a tradução literal do filme, que no original se chama "Reality Bites", deveria ser algo do tipo como, "A Realidade Morde" (!).
E realmente o filme mostra às coisas assim. Um diploma não tem lá seu valor da maneira que deveria ter, pois a própria Lelaina começa insatisfeita como estagiária em um programa de TV, tendo que agüentar o mau-humor de seu chefe, que por ironia, é um sorridente apresentador de um programa tipo “Good Morning, America”. Essa é uma sátira bem interessante sobre o que se vê nos bastidores dos talk-shows. Tanto é que Lelaina é demitida por esquecer a caneca de café do apresentador, após fazê-lo cometer uma gafe no ar.
Demitida, ela entra em uma fase de questionamentos, dúvidas e decisões. Dedica-se então ao seu maior projeto no momento, um documentário de qualidade questionável sobre seus amigos, confiante de que isso poderá abrir as portas de seu sonho, ou seja, torná-la uma diretora de documentários de sucesso. Nas cenas desse documentário, mostrado ora pelas edições da protagonista, ora por intervenções no enredo, temos fragmentos das personalidades dos amigos de Lelaina. Eles, assim como ela, levam vidas desconexas da realidade que imaginaram outrora: Vickie que divide apartamento com Lelaina, é promiscua e registra suas transas em um diário; Sammy (o personagem menos trabalhado do roteiro) é gay e tem medo de relacionamentos; e Troy é um intelectual pouco obstinado, rebelado contra o modelo de vida que Lelaina procura atingir.
As cenas de amizade entre eles são bem ternas, dignas de um episódio de Friends. Destaque para a ótima cena em que os quatro, em um loja de conveniências, dançam “My Sherona” do The Knack, diante do rosto pasmo do balconista.
Além das situações de amizade, temos ainda e principalmente, as reviravoltas amorosas do mundo de Lelaina. Quando Troy, despedido do seu 22º emprego vai morar com ela e Vickie, um romance ali começa a renascer. Melhores amigos na época de faculdade, Lelaina e Troy sempre tiveram um affair não terminado. Porém, para a inquieta e confusa Lelaina, Troy está longe de um padrão de estabilidade. Desempregado, rude, rebelde, despojado, mal barbeado e usando sempre a mesma camiseta, ele estereotipa o desiludido jovem dos anos 90.
O ponto conflituoso da trama emerge quando surge no caminho de Lelaina, a antítese de Troy: Michael Grates (Ben Stiller). Michael é um yuppie nada intelectualizado, mas ainda assim, um sucedido e ambicioso executivo de uma emissora de TV (que faz sátira e alusão a MTV). Ele promete a Lelaina, mostrar seus documentários aos grandes chefes da emissora. A chance de progredir e realizar seu sonho profissional, acaba aproximando Lelaina de Michael, e evidentemente, ambos acabam se envolvendo. O romance entre os dois não chega a prender faíscas, porém é o suficiente para a atiçar o ciúmes de Troy, que até então via Lelaina como uma garota mimada e ingênua. Troy então, resolve partir para o ataque, e tenta conquistar Lelaina também.
Diante das típicas decisões do mundo adulto, Lelaina se vê divida sobre as escolhas que deve tomar. O bom senso guia sua escolha para Michael, já que esse está preocupado em evoluir profissionalmente e financeiramente, condizente com o estilo de vida que ela almeja. No entanto, Troy além de seu melhor amigo, é uma paixão alocada na melhor época de sua vida, seus dias de Universidade. Sua filosofia de vida, ensina a Lelaina que a vida é muito além de se encaixar em um padrão exigido pela realidade. Além disso, Troy é o "ouvido" para os dramas existenciais de Lelaina, que virtualmente não saberia se virar sem ele (destaque para a cena em que Troy explica a Lelaina o significado do que é ironia).
Nesses encontros e desencontros, Lelaina vive em uma berlinda, divida entre razão e coração, fazendo de “Caindo na Real” uma interessante história que mescla o típico triângulo amoroso, com os conflitos do mundo moderno. Sua temática encapsula todos os elementos para essa história estar listada na categoria de “filmes dos anos 90”. Tanto é que seu subtítulo assim o enuncia: “uma comédia sobre o amor nos anos 90”.
Felizmente, Ben Sitller em sua estréia como diretor consegue fazer um trabalho plausível e aprovável. Obviamente, é melhor tê-lo diante das câmeras do que por trás delas, mas para dar o tom de singeleza que “Caindo na Real” clama, ele fez a lição de casa – apesar de não ter feito nada de especial. Pelo menos não deixou a bola cair, como é o caso de vários atores que migram para trás das lentes.
“Caindo na Real”, além da história e temática também se destaca pela ótima trilha sonora, composta por nomes como Peter Frampton (ao som dele, temos a inesquecível cena em que Troy bêbado, canta “Baby I Love Your Way” para Lelaina), New Order, U2, Crowded House, Lenny Kravitz e outros.
Para finalizar, vale ressaltar que temos em “Caindo na Real” uma das melhores atuações de srta. Ryder e uma narrativa que certamente será muito bem recebida pelos eternos jovens dos anos 90, que certamente se lembrarão de suas “crises” de outrora e de seus sonhos nunca esquecidos. Sem dúvida, um legítimo registro de uma das gerações mais marcantes de nossa recente história.
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