Um filme louquinho cuja ligação ao teatro fez dele uma grande obra!
Ultimamente, nos meus comentários, tenho falado bastante sobre o contexto no qual um certo filme chegou a nós, humanos, ou a mim, cinéfilo portuga. Pode ser que isso, a longo prazo, seja irrelevante, mas talvez não; o contexto histórico - e não só - interessa bastante para analisar coisas. Enfim, no caso deste filme, acho que se pode e deve dizer duas coisas. A primeira, que já notei aqui no Cineplayers e noutros sites, é que está longe de ser um filme com boa reputação, o que se vê muito pela média das notas que lhe dão online. E constato que sou uma exceção a essa regra, pois gostei imenso do filme e devo lembrar-me dele durante muito tempo. A segunda, que está relacionada com a frase anterior, é que foi adaptado de uma peça, um musical com algum sucesso. Claro que o filme deve ser analisado pelo que oferece e não pelo seu material de origem, da mesma maneira que é justo criticar sagas teen por problemas de roteiro que o livro resolve mas que o filme ignora, fazendo assim o roteiro mais fraco (por depender do livro para fazer sentido e não se "sustentar" sozinho). Mas, atenção, falei da peça original não por uma questão de comparação, mas sim como uma possível explicação para o principal motivo pelo qual eu adorei Caminhos da Floresta. E o motivo é: o filme é um espetáculo!
E, no fundo, é isto. Quem me conhecer um pouquinho sabe que eu gosto de teatro. Contudo, nem tudo o que é adaptação de teatro para cinema me convence. Mas este filme convenceu, sobretudo porque guardou as suas raízes teatrais o suficiente para trazer para o cinema grande parte do melhor que o teatro tem para oferecer! Nomeadamente, a mise-en-scène e a liberdade teatral (essa eu explico mais abaixo). A mise-en-scène (muito basicamente, a movimentação dos atores no palco) do teatro é muito própria dessa arte e é das coisas mais charmosas que o teatro tem. Por vezes, no teatro, uma movimentação dramática até pode parecer pouco natural, mas ao mesmo tempo isso também a ajuda a ter charme. E Caminhos da Floresta guardou parte da interessante movimentação e exploração do cenário que os atores de teatro podem fazer e usou-a em grandes cenas. E o irónico é que a cena que melhor reflete isso e aquela em que mais gostei disso foi, acreditem, o infame número musical Agony!
É verdade, caros leitores; por inacreditável que pareça, esse tão mal-amado número musical Agony, tão espezinhado por internautas que dizem ter visto nele constrangimento puro, foi um dos meus momentos favoritos do filme! Por causa da música? Não; por causa do fator espetáculo dessa cena! Poderia ter sido uma cena banal se não tivessem colocado lá dois pormenores que fizeram toda a diferença. Primeiro, a piada da roupa aberta à força. Ridículo para alguns, hilariante para mim, até porque é um típico pormenor teatral que os atores podem usar para fazer as suas cenas mais memoráveis do que elas são. Mais importante ainda é que um príncipe abre a sua roupa e o outro depois abre-a, só que faz isso de uma maneira bem engraçada; ele parece ter aberto a roupa só para ficar igual ao outro! E isso é hilariante! Porque o primeiro príncipe, claramente, quis rasgar o tecido, dada a sua posição e a cara de agonia (pois) que fez. Mas o segundo príncipe não deu ar de quem se sentia com vontade de rasgar...e parece acabar por abri a roupa para acompanhar o outro! Dá ideia que viu o primeiro príncipe abrir a sua roupa e pensou "Ah, é para abrir, é? Então vamos nessa!". E isso é de rachar a rir! XD Enfim...o segundo pormenor que fez a diferença foi a tal mise-en-scène. Os príncipes, que começaram a cantar no topo da cachoeira, vão-se mexendo ao longo ela à medida que a canção avança. Isso, no teatro e no cinema - mas sobretudo no teatro - é um detalhe riquíssimo. Dá outra vida à cena, traz charme e permite ao público ver como os atores se movimentam em harmonia com o cenário para criar "imagens" bonitas. Quadros. E isso é fantástico. E Agony foi o momento que fez isso mais e melhor, até porque a cachoeira tinha uma descida gradual e bem definida. Esse tipo de cenário é ótimo para mise-en-scène.
Se Agony foi o clímax dessa qualidade que adorei, independentemente da qualidade da música (não achei particularmente boa), também não convém ignorar o resto do filme, que também faz um pouco isso, até pelas aparições da bruxa. E a outra grande cena teatral do filme é, sem dúvida, a canção que a Cinderela canta quando está presa na escada. Toda essa cena grita teatro, porque é mesmo o tipo de cena criativa que se inventaria num meio como o teatro, um meio com tão menos possibilidades que o cinema. O facto de o teatro não poder usar truques cinematográficos como a sobreposição de imagens ou efeitos especiais melhores faz com que as peças tenham de fazer uso de alguma liberdade teatral para fazer a sua arte, e explicar o que a Cinderela está a pensar daquela maneira, parando o tempo e fazendo a mente da Cinderela andar para lá das escadas - o que seria impossível na prática, visto que o corpo da Cinderela está preso - é arte! É o tipo de criatividade e riqueza que o teatro tem e deve ter! Assim nasceu uma das melhores cenas deste espantoso filme. Além da canção, bem acima da média se comparada com as restantes do filme e com rimas bem divertidas (I'll just leave him a clue / For example...a shoe! Haha!)
E, claro, há mais razões pelas quais eu gostei muito deste filme de Rob Marshall. A outra grande razão é que o filme é um pouco louco. Não um louco mau, mas um louco bom. Um pouco como Eu, Eu Mesmo & Irene, um filme que acaba por divertir e se tornar memorável por ser tão louco. Caminhos da Floresta não vai tão longe, mas mesmo assim a sua loucura é adorável. Mistura personagens muito diferentes, faz com que elas intervenham nas vidas umas das outras de forma bem criativa - quem me conhecer sabe que eu adoro esse tipo de roteiro, vide o quanto eu gosto de outro filme com a Chapeuzinho Vermelho (nem preciso de dizer qual é, pois não?) -, acrescenta detalhes imprevisíveis e, vejam só, chega a ponto de tirar sarro de si mesmo! Lembrando a si próprio e ao público o quão louco é! É o que acontece na hilariante piada em que a mulher do padeiro, adoravelmente interpretada pela adorável Emily Blunt, implora a Cinderela que lhe dê o sapato para poder ter um filho e a Cinderela responde, sem ironia, "Isso não faz sentido!". É, eu dei risada nessa fala. Depois de um filme onde as coisas mais esdrúxulas e absurdas aconteceram, ouvir a Cinderela a dizer aquilo com aquela honestidade foi demais! Adorei e ri! E, claro, ajudou bastante o facto de a Cinderela ser adoravelmente interpretada pela adorável Anna Kendrick.
Assim, o filme acabou por ser uma diversão incessante para mim. Sempre à espera da coisa louca que ia acontecer a seguir...fantástico! De resto...bem, de resto há o ato final do filme, também ele tão mal-amado pelos internautas. Pessoalmente, também o achei mais fraco que o que aconteceu antes. E, sim, também senti um pouco a quebra de qualidade. Mas nem tanto. Além disso, eu acho que entendi porque é que esse ato aconteceu. É que, se não tivesse acontecido, a cena em que nasce o novo feijoeiro que vai até às nuvens não serviria para nada! Fiquei contente por mostrarem que o crescimento de um novo feijoeiro - cena que o filme destacou - teve uma consequência ou mais. É que eu já estava a gostar muito de Caminhos da Floresta e, se ele terminasse sem dar uma razão de ser a essa cena, isso diminuiria o impacto para mim. Mas não o fez, e eu até que agradeço. Claro que o preço foi elevado: morreram 3 personagens no seguimento disso. Mas, em termos de roteiro e não de emoção, foi uma boa escolha.
Mas, bolas, era mesmo preciso matar uma das personagens mais adoráveis do filme? Que ainda por cima falava com o adorável sotaque britânico? Credo, essa morte doeu. E mais trágica seria se o padeiro tivesse desistido de tudo ao saber. Mas não o fez, e ainda bem. Ele que honre assim a vida da sua adorável mulher...snif! Anyway, o ato final também permitiu outras cenas interessantes, como o diálogo de fim de relação entre a Cinderela e o príncipe e aquela sequência rápida de falas em que tentam perceber de quem é a culpa. Dramático e engraçado ao mesmo tempo; mas que bem!
E, pronto, é isto. São praticamente estas as razões que me levaram a gostar muito de Caminhos da Floresta, talvez o filme mais louco que vi em 2017 (até à data deste comentário). Eu sei que ele não é perfeito - aliás, como o Cineplayers também fez notar, para musical tem pouca música memorável. As únicas músicas de que posso dizer que gostei foram I Wish e a tal música das escadas. Mas a qualidade que as músicas têm a menos, a teatralidade e a loucura boa têm para compensar. E assim encerro o meu comentário a este filme, pelo qual já tenho bastante carinho.
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