Existem certos filmes que se tornam sinônimos de cinema em determinadas épocas e em determinados estilos. Todos se lembram dos filmes do Sergio Leone quando se fala em faroestes. É só falar em histórias de gângsters que “O Poderoso Chefão” vem imediatamente à memória de todos. E nenhum representa melhor a era do cinema em preto-e-branco do que “Casablanca”, de 1943. Clássico absoluto da sétima arte, não só desse tempo, mas de todos. É impossível não imaginar o cinema sem cores daquela época sem lembrar na hora de alguns momentos clássicos dessa película, como a sequência da Marselhesa e a emblemática cena do avião. Um verdadeiro marco na história da arte. Mas o que ele tem de tão especial assim? Esse filme abordou algum assunto nunca antes tocado? Não. Possui atributos técnicos visuais pioneiros? Também não. Então, porque cargas d’água “Casablanca” foi e ainda é tão marcante assim?
O filme se inicia dando ao espectador o contexto político da época. A Segunda Guerra Mundial estava no seu auge. A Alemanha Nazista tinha acabado de derrotar a França, dividindo-a em duas regiões: uma incorporada ao Terceiro Reich e outra uma república aliada à Hitler (Vichy). O sentimento de humilhação por parte dos franceses era enorme. Viajar para o Marrocos (colônia francesa neutra à época) e pegar um voo para Portugal e de lá seguir para os Estados Unidos era uma das poucas rotas de fuga dessa guerra. No meio disso tudo está o apático Richard (Humphrey Bogart), um americano que não podia aparentar ser mais indiferente à isso tudo.
Na verdade, Rick sempre se mostra frio em relação a tudo. Em um determinado momento do filme, um dos funcionários do seu cassino falha na manipulação de um dos jogos e acaba dando um prejuízo ao estabelecimento. A reação do dono não poderia ser mais indiferente. Nenhum dos seus clientes desconfia que a razão da sua frieza é uma enorme ânsia por afeto, por um afeto que ele já experimentou e ainda não esqueceu.
Repentinamente, o motivo dessa frieza vem a tona, abalando a fortaleza emocional de Rick. Ilsa (Ingrid Bergman) reaparece na sua vida. Eles tiveram o que parecia ser um conto de fadas. Dois jovens, se amando, em Paris. Mas essa relação foi drasticamente interrompida com a ascensão do nazi-fascismo na Europa. Os dois acabaram se separando e suas vidas tomaram rumos diferentes.
Depois de muito tempo, suas vidas voltaram a se encontrar, em uma situação delicadíssima. Ilsa precisava de uma caridade de Rick para salvar a sua vida e a de seu novo interesse romântico: Victor (Paul Henreid), um sujeito idealista, que se dedica a combater o nazismo e defender a liberdade. Tudo aquilo que Rick,que tinha lutados contra os fascistas na Etiópia e na Espanha franquista, já foi. Mas não vai ser tão fácil tirar um pouco de generosidade do coração endurecido de Rick. Para isso, foi preciso que a própria Ilsa fosse fazer um apelo desesperado à ele, lembrado-lhe não só os seus tempos de militância, mas também o período em que eles tiveram a sua relação amorosa. Nesse momento, ambos sentem falta daquela época. “Nós sempre teremos Paris”, eles dizem, imortalizando aqueles momentos (e essa antológica frase). O filme tem vários bons momentos. Todos os momentos em que a música “As time goes by” é executada, sempre pelo indefectível pianista Sam, são marcantes. Outra cena espetacular é a já citada execução da Marselhesa, entoada em plenos pulmões por todos os franceses no cassino de Rick indignados com a situação de seu país na guerra, abafando a canção patriótica alemã.
O frio Rick está mais uma vez perdidamente apaixonado por Ilsa. Ele quer tê-la novamente, dessa vez para sempre. Mas não é isso que acontece, e sim o ponto forte de toda essa obra. O mais tocante do filme é a transformação de Rick, quando ele se torna, ou melhor, volta a ser uma pessoa sensível. Ele realiza o maior ato de amor possível: abdicar a sua própria felicidade em prol do melhor para a sua mulher amada. “O que é o melhor para mim também é o melhor para ela ?”. Esse é o grande dilema quando se gosta de alguém. As pessoas, em boa parte dos casos, são extremamente egoístas nessas situações. Querem ter a pessoa amada a qualquer custo, ignorando até mesmo o bem-estar dela, fazendo-lhe, por amor, um mal. Rick, nesse ato, liberou todo o amor que ele tinha guardado em todo esse tempo de tristeza, que, diga-se de passagem, não terminou, uma vez que ele a escolheu.
Obra-prima! Um filme “básico”, com um roteiro até simples, conseguiu cumprir de maneira magistral o seu papel como obra de arte: sensibilizar. É por isso que esse filme é tão marcante. “Casablanca” será lembrado sempre, não só como um sinônimo de cinema, mas também como um sinônimo de arte.
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