"Abra bem os olhos."
Não sou íntimo da filmografia de Apichatpong Werasethakul- Joe a partir daqui por motivos óbvios. Na verdade, antes de conferir esse seu Cemitério do Esplendor no cinema, havia assistido apenas o fascinante Tio Boonme Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas dentre os filmes do tailandês. Mas uma impressão que fica levando-se em conta essas duas obras é a de que o cineasta gosta de borrar as fronteiras entre realidade e fantasia de uma maneira que duas divindades aparecendo para uma personagem não só não causa espanto como parece ser algo comum em seu universo fílmico. Daí que uma pessoa que durma durante esses filmes estaria de certa forma embarcando radicalmente nas obras que possuem uma atmosfera que lembra um sonho, transmitindo uma sensação de paz que te coloca para fora do cinema se sentindo bem tal qual desertasse daqueles sonhos para o qual quer voltar mais vezes.
Mas o que é sonho e o que é real? O que vemos tem mais peso do que o que imaginamos? A premissa básica do filme é o dia a dia da protagonista (Jenjira Pongpas, figurinha carimbada nos filmes de Joe), Jenjira, que cuida de soldados com uma estranha doença que do nada os faz dormir profundamente por longos períodos. Nunca sabemos o que causa essa condição aos pacientes do local, porque isso não importa ao diretor. Cemitério do Esplendor é um filme não sobre razões, mas sobre possibilidades. Não interessa como ou porquê uma das jovens (Jarinpattra Rueangram) que trabalha no cenário do filme - um hospital improvisado em um colégio que foi construído em cima de um cemitério - consegue se comunicar com os soldados adormecidos, mas sim o que isso possibilita a narrativa, culminando em uma longa cena em que o espírito de um dos soldados (Banlop Lomnoi) entra no corpo da tal médium e ao narrar o que existia em seus sonhos de um passado onde no presente há uma floresta permite a fusão total de passado/presente e realidade/fantasia que era ensaiada até então - a própria escola onde se passa boa parte da ação; as maravilhosas cenas em que luzes que indicam o estado emocional dos adormecidos vazam do quarto e inundam a cidade.
Daí que apesar de não possuir peixes transando com princesas, macacos fantasmas ou espíritos que se manifestam e interagem fisicamente - ah, aquele abraço - com os outros, Cemitério do Esplendor é, sim, um filme tão fantástico quanto Tio Boonme. Ainda assim, é um filme que parece mais "digerível', afora todos os simbolismos e subjetivismos propostos, o roteiro é bem mais linear aqui e mesmo as relações humanas que acompanhamos, com destaque, claro, para a que envolve os personagens de Pongpas e Lomnoi, são mais fáceis de decifrar - ainda que essa, por exemplo, possa ser encarado ora como algo que remete a mãe e filho, ora amizade nascida na identificação mútua, e mesmo interesse sexual em alguns momentos. Da mesma forma, existe toda uma abordagem social e política como pano de fundo que soa até mesmo meio deslocada no filme por parecer explicitada demais por parte de Joe, sem o cuidado de abordagem de seus outros temas.
Bastante diferente de alguns pares de cenas que recheiam a obra que de tão bem construídas e simbólicas, precisam de mais de uma sessão para serem decifradas - ou ao menos a leitura de alguns textos sobre o filme -, como aquela que envolve uma espécie de bactéria vista sob o céu ou aquela que envolve alguns figurantes trocando de posições coordenadamente diante da câmera, numa espécie de dança teatral. No entanto, é curioso notar que mesmo essas cenas seguem despertando um ceto fascínio no espctador ainda que incompreendidas em sua totalidade, o que é só mais uma prova do talento de Joe em criar suas narrativas. Aliás, criar narrativas, não, porque fica claro aqui que o cineasta filma sonhos.
O que coloca ele e nós, espectadores, como, simultaneamente, Jenjira e Itt (o personagem de Lomnoi), que em dado momento de Cemitério de Esplendor dizem ter visto o sonho um do outro. Por que se os filmes de Joe são sonhos em forma de obras audiovisuais, também nós sonhamos acordados ao assisti-los.
só não tá melhor que o texto do CARBOOOOOOOOOOOOOOOOOOONE
Sabendo que tu adorou o dele,achei um bom elogio S2