Eu odeio a Gwyneth Paltrow... E olha que eu acho ela gostosa pra caramba... Odeio ela porque em 1999 ela acabou tirando o Oscar de melhor atriz de Fernanda Montenegro. Talvez eu tenha que odiar os imbecis da academia que me fizeram ficar acordado até de madrugada aguentando os comentários chatos do José Wilker, mas tudo bem. Vamos falar dessa obra-prima tupiniquim...
O filme conta a história de Dora (Montenegro), uma mulher que ganha dinheiro escrevendo cartas para analfabetos na Central do Brasil. Depois de escritas, as cartas passam pelo crivo da `censura` de Irene (Pêra) e da própria Dora, que julgam quais deverão ser enviadas ou não. É quando a mulher se vê envolvida com o triste destino de Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto de 9 anos cuja mãe é atropelada e morta em frente à estação onde Dora trabalha. Agora, Dora se vê irremediavelmente `presa` ao menino, com quem - e em função de quem - irá vivenciar uma bela transformação.
A parte técnica do filme é impecável. A belíssima fotografia de Walter Carvalho, que nos leva do cinzento e angustiante ambiente de uma grande cidade até os claros e refrescantes horizontes das estradas, é um dos fundamentos da fita. Associado à comovente (e, em certos momentos, sufocante) trilha sonora composta por Antônio Pinto e Jaques Morelembaum, o efeito visual do filme é realçado, ainda mais enriquecido. O roteiro, de João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, conta uma história pungente, onde a maior riqueza está nos motivos que impulsionam os personagens. O fato é que Dora se vê, em parte, no lugar de Josué, transferindo suas próprias frustrações em relação a seu pai para o garoto. Ela é uma cínica, descrente. Para esta mulher, a vida nada mais é do que uma sucessão de dias. Não existe amor ou nobreza no mundo. Todas as pessoas que lhe ditam cartas possuem, em sua visão, algo de podre ou obscuro. Dora perdeu, em parte, sua própria humanidade.
Ela é na minha opinião um personagem que vive na casa do lado da sua, ou na esquina. Uma pessoa que você encontra na fila da lotérica ou no boteco do bairro. A generosidade já se esvaeceu e não existe mais amor. Numa entrevista que o diretor do filme, Walter Salles, deu em março de 1998 ele diz: "É um filme sobre a necessidade de vermos o outro e descobrimos o afeto, capaz de mudar a nossa relação com a vida." Mas de um ponto de vista psicanalítico, poderíamos intitular o filme de "Viagem em busca da figura paterna e da restauração do casal parental ". Esta é saga do garoto, numa idade em que a figura masculina é fundamental para a constituição da identidade e da resolução do problema edipiano.
Vinicius de Oliveira ainda que um ator mirim em início de carreira em uma ótima atuação distancia-se de qualquer artificialismo que pudesse torna-lo um personagem irritante. E reza a lenda que Salles o encontrou em uma estação de metrô engraxando sapatos, será que é verdade mesmo, hehe? A maior proeza do filme é transformar Dora e Josué em nosso próprios parentes ou amigos íntimos. Nos importamos tanto com eles que as lágrimas brotam com facilidade e queremos que aquela jornada termine bem. Se o palavrão ou o xingamento aparece, já não importa mais, eles "são de casa".
Eu odeio a Gwyneth Paltrow... E olha que eu acho ela gostosa pra caramba... Mas em meus sonhos mais lindos ainda vejo Montenegro recebendo a estatueta dourada e se sagrando a melhor atriz brasileira, nossa Meryl Streep... Se isso é verdade ou não, pra mim termina dessa forma...
Acho que a maioria do pessoal ficou com raiva da Paltrown 😏. Ótima e divertida crítica, Lucas.
Poxa, mais uma vez obrigado Ricardo...
Para quem ainda duvida que Montenegro merecia o Oscar:
http://www.youtube.com/watch?v=3KKWQrUMDV0 😎