"Eu não quero morrer. Eu quero viver."
Não podemos acusar Neill Blomkamp de não ter boas ideias. Se ele executa-as bem é outro papo, mas um cineasta que consegue manter sua marca autoral e discutir temas relevantes através de ficções científicas que refletem nosso mundo é sempre digno de respeito. Munido de seu ator-fetiche, Sharlto Copley, e inserindo a ação não nos Estados Unidos tão usuais nesse tipo de produção, mas em sua África do Sul natal, Blomkamp parece sempre menos interessado nos impressionantes efeitos especiais de seus filmes e mais nos questionamentos que eles podem levantar.
Seja uma alegoria sobre o Apartheid estrelada por aliens com aparência de camarões superdesenvolvidos, seja uma outra sobre a divisão de classes tão comum a tudo quanto é país, inclusive o nosso Brasil, estrelada por um humano de classe menos afortunada fundido a um exoesqueleto, o cineasta sabe o que quer dizer. Em Chappie, seu terceiro longa-metragem, Blomkamp utiliza um robô policial com inteligência artificial (dublado por Copley, em uma performance sensacional, e criado pelo melhor que os efeitos especiais podem fazer) para mostrar como o ambiente e as pessoas à sua volta podem moldar um individuo - mesmo que esse não seja humano.
O robô-título, criado para ser policial e descartado após seguidos estragos em ação, é resgatado por seu criador (interpretado por Dev Patel), equipado com a inteligencia artificial desenvolvida por ele e ainda não testada e se torna um ser com vida própria, emoções tão humanas quanto as nossas e pronto para aprender seu lugar no mundo, "nascendo" como um bebê ainda assustado com tudo de novo que encontra pelo caminho e sendo moldado por cada experiência que vive, seja a hostilização por alguns jovens que temem o diferente, seja pelo contato com uma gangue de criminosos barra-pesada (os rappers sulafricanos Yo-Landi Visser e Ninja) que planeja usá-lo em alguns assaltos. Aí a gente já viu esse filme antes e nem era filme, era a vida aqui desse lado da tela: tragédia.
A mensagem é clara: qualquer um, ainda mais quando jovem, pode cometer decisões erradas na vida, influenciado pelo meio onde está inserido, pelos pais, amigos e mesmo pela falta de oportunidades ou justamente por uma oportunidade que surgiu. Mas há outras mensagens na produção e por acabar apressando o passo para passar por todas elas, Blomkamp acaba sacrificando o total funcionamento de seu filme, que no caminho desperdiça um vilão caricato que não consegue encontrar uma motivação clara - que ainda perde mais pontos por desperdiçar um ator do calibre de Hugh Jackman - e uma personagem incompreensível vivida por Sigourney Weaver. E talvez o filme nem precisasse desses conflitos que servem apenas para criar cenas de ação - visualmente incríveis, vale apontar - vazias. Ele sobreviveria por si só e por seus temas.
Uma criminosa que automaticamente se torna desconfortável com seu estilo de vida ao se tornar mãe - que seja de um robô pouco importa aqui -; um ser metálico que questiona sua posição no mundo e o porquê de nascer se um dia vai morrer; além de um final pura porra-louquice, que pega a essência da ficção científica, a suspensão da realidade para poder discuti-la ampliada na última potência, para nos confrontar com a ideia de que o que nos torna quem somos é nosso interior e não o exterior, deviam bastar por si só.
E bastam. Que no caminho a metragem seja desperdiçada com coisas sem importancia é um detalhe pesaroso que ainda assim não é o suficiente para tirar os méritos desse novo acerto de um cineasta que merece olhos cada vez mais atentos o acompanhando.
Confesso que não assisti esse ainda, mas uma coisa concordo com você, Pedrão: Blomkamp tá com moral. Cheio de idéias novas. Só espero que ele não seja seduzido pelas cifras.