Há muito tempo não assistia um filme tão charmoso, que possui uma proposta corajosa que extrapola o limite do que acreditamos ser certo ou errado, bom ou mal, sendo que nada disto faria alguma diferença em Chinatown, lugar isento do tradicional e padrão, dando lugar a leis e filosofias de vida próprias, com seus habitantes regendo aquilo que acreditam. Só que mais interessante ainda, é notar que este local que dá nome ao projeto de Polanski não ganha a devida proporção até seu delicado desfecho, fazendo do mesmo uma das lembranças de Jake da época que trabalhava ali. Isso não apenas aumenta a aurea que a esconde como também a glorifica e a justifica com os atos que se desenvolvem até culminarem no trágico e doloroso instante onde tudo se revela, e explica-se. Ou melhor, não se resolve, já que, como aponta um dos personagens, "esqueça Jake, é Chinatown".
Mais uma interpretação fantástica de Nicholson, com seu personagem extremamente calmo, sujeito que desenvolve seus diálogos de maneira suave, jamais de forma ingenua, se mostrando atento ao que ocorre ao seu redor, a movimentação das figuras restantes, a percepção dos detalhes como extensão proposital de seu trabalho como investigador. Isso nos leva a reafirmar seu talento em criar e conduzir um individuo focado em seu trabalho, e mesmo que seja durão e genioso, age sempre de forma cautelosa, analisa não só seus passos, como os dos outros, ressaltando que sua indicação a Oscar se mostrou mais que merecida. No ano seguinte, estaria executando um trabalho totalmente diferente, mas de semelhante beleza, no filme Um Estranho no Ninho, desta vez interpretando um sujeito tempestuoso e descontrolado.
Revestido das características que criaram e mistificaram o estilo Noir em Hollywood, que marcou época nas décadas de 30 à 50, com títulos referencias como O Falcão Maltês, esse exemplar carrega consigo todas as facetas que compoe este universo, as traições, os mistérios, personagens de dualidade moral, assassinatos, além claro do retorno ao charme das obras daquele período. Mas diferentemente dos projetos antigos, Polanski filma seu Chinatown à cores, não se utilizando de toda a atmosfera que o artificio de se filmar em preto e branco traria a seu filme, fazendo uso das sombras e contrastes como extensões dos personagens, elementos primordiais do estilo/gênero.
Acompanhar cada instante, cada diálogo, cada olhar conflitante e desconfiado, tudo ao som do tema conduzido por Jerry Goldsmith é de uma grandeza que transcende às telas, contagia e atinge quem que esteja assistindo. A angústia e o pessimismo caminham lado a lado com os personagens, e faz da atmosfera do filme um conjunto de sensações que não sou capaz de exemplificar aqui. A personagem Evelyn carrega este fardo de maneira arrebatadora, sendo que a cada nova relação, novo detalhe, o clima se encarrega de se tornar mais doloroso, insuportável, humilhante. No desfecho, da mesma forma em que Jake está impossibilitado de fazer algo, o público também se encontra nesta mesma situação, perplexo com a brutalidade e principalmente com a revelação e desconstrução de Chinatown perante à história e o destino dos personagens.
A investigação nos leva a compreender que nada ou tudo poderia ser feito por algo ou alguém naquilo que representa e preenche Chinatown, universo ganancioso, que movem interesses munidos de milhões de dólares, que utilizam-se de pessoas como peças de jogo de xadrez objetivando sempre a melhor jogada e estar a frente de qualquer um ou suspeita, sendo, resumidamente, algo inalcançável por aquele que joga limpo, ou honestamente. Nos foi provado isto, mas seria possível outra maneira?
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário