A delicadeza pode se expressar por diversas formas nesta vida: por meio de palavras, gestos, atitudes...E pela arte. Para todos aqueles que, como eu, enxergam magia no cinema, Cinema Paradiso representa toda a delicadeza desse ambiente extraordinário, etéreo, onírico que é uma sala de projeção.
Não à toa o nome "sala de projeção": todos os que ali estão sentados, se houver o mínimo de sensibilidade, "projetam" seus sonhos e se sentem estimulados a fantasiar como crianças dentro de uma sala de cinema. São poucos os lugares no mundo onde todos podem se sentir iguais, a despeito das diferenças de todos os gêneros que nos separam. O cinema é um desses lugares. Ali todos compõem a mesma "massa", realidade esta que fica bem clara no Cinema Paradiso: ricos petulantes, trabalhadores, velhos, crianças...Todos se deixando levar pela magia do cinema de igual sorte. O cinema efetivamente agrega, reúne os extratos sociais e, ainda que por pouco mais de uma hora, permite que todos que fazem parte daquele conjunto formem um mundo sem disparidades.
Não é de hoje o embate sobre a beleza na tragédia. Por primeiro há o questionamento se seria mesmo possível haver beleza nisso. Segundo, de que espécie seria essa beleza. Não nos importemos com isso: Cinema Paradiso retrata a vida de um homem que teve uma infância difícil mas aparentemente feliz, cresceu, descobriu o amor verdadeiro e, de forma abrupta, viu-o desaparecer sem deixar aviso. Torna-se uma pessoa famosa mas infeliz, melancólica. A frase da mãe, já idosa, é de profundidade abissal: "Todas as vezes que eu te ligo uma mulher diferente atende. E nenhuma te amou de verdade..."
Não obstante o filme versar sobre a tragédia da perda do amor verdadeiro, o toque de delicadeza ao qual nos referimos acima cobre isso tudo, como se fosse uma manta quente num dia muito frio. É uma película, sobretudo, muito terna. Respondendo ao questionamento que inicia o terceiro parágrafo deste texto: sim, há beleza na vida em preto e branco, existe beleza na dor.
A relação entre Alfredo e Totó, que possui como pano de fundo e mola propulsora o encanto que o menino sente pela cabina do Paradiso, é particularmente interessante: de um lado Alfredo, um homem casado porém sem filhos (e que aparentemente gostaria de tê-los, realidade demonstrada quando diz que daria determinado conselho a seus filhos, acaso os tivesse); de outra parte Totó, menino que ainda em pequena idade perdeu seu pai na guerra. Há ali, portanto, um encontro de ideais claro, o que permite o aprofundamento da relação dos dois, para então se cristalizar uma verdadeira relação pai-filho, inclusive com a transmissão da clássica herança: o ensinamento do ofício.
As dimensões românticas exploradas pelo filme são um espetáculo à parte. Cenas que irão habitar para sempre a memória de todos, notadamente a espera sob a janela, o beijo na chuva, a conversa entre Alfredo e Totó sobre o retorno à cidadela, a despedida no trem, a cena final (e diz tanto essa cena final...). Não é preciso comentar a aclamada trilha, com um punhado de temas e variações que são, sem favor nenhum, uma das linhas melódicas mais belas da história da humanidade. Comprei o cd da trilha sonora quando criança e o tenho no carro até hoje...
Apareceu recentemente a versão estendida, com desdobramentos sérios que mudaram todo o espírito da obra. Eu achei terrível, em absoluto. Simplesmente aqueles minutos ao final (e alguns desnecessários no meio) acabaram com tudo que foi lindamente construído. Achei mesmo de mau gosto, principalmente o sugestionamento da relação sexual entre os dois. Terrível mesmo. De tal sorte que descartei tudo isso e fiquei tão somente com a versão original: Cinema Paradiso, pra mim, acaba com Totó nunca mais encontrando a mulher amada e encontrando o acalento para seguir vivendo na película montada por Alfredo, projetada na cena final.
Assisto a esse filme desde criança, e o vejo todos os anos, ao menos uma vez. E o encantamento é recorrente. Nota 10 para esse filme!
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário