Delírios, imperfeição e a arte instrumental residente em meio ao Lago dos Cisnes, transformam Natalie Portman, no poético Cisne Negro.
O núcleo da arte pode ser estendido para diversos aspectos. Uma atividade humana que sempre estará ligada a percepção, ideias, emoções, mas que, acima de tudo, possui um significado diferente e único para cada uma de suas instancias. Esta talvez possa ser a definição da palavra ‘arte’, e controverso, afinal como definir algo que se baseia em estímulos e nas percepções de um ser humano, figura ímpar que não paira de cessar para as emoções que sua alma e coração suplantam? Nina (Natalie Portman) só queria se tornar a Rainha dos Cisnes e conseguir o papel mais cobiçado de bailarina. Porém para alcançar esse posto, ela necessitava alcançar a perfeição. Ou seria a imperfeição?
Nina, uma bailarina de uma companhia de balé de Nova York, tem uma vida praticamente inteira consumida pela dança. Desde manhã, antes mesmo de se alimentar, a garota de um pouco mais de vinte anos já se exercita na frente de um espelho, treinando os passos e movimentos que mais tarde tende a executar. Ela ainda mora com sua mãe, Erica (Barbara Hershey), bailarina aposentada que assume a figura de maior incentivadora do sucesso de sua filha.
O diretor da companhia de balé, Thomas Leroy (Vincent Cassel), acabara de forçar a aposentadoria de Beth MacIntyre (Winona Ryder), tendo agora em aberto o cargo de primeira bailarina de O Lago dos Cisnes. Nina é a primeira da lista, porém agora com uma forte concorrente, a novata Lily (Mila Kunis)
O Lago dos Cisnes, de história já conhecida, narra o percurso de uma garota virgem, pura e doce, presa no corpo de um cisne, que almeja por liberdade, sendo esta, somente alcançada quando um amor verdadeiro desfizer o feitiço. Isto quase é atendido na forma de um príncipe, mas antes mesmo de o amor ser consumado, sua irmã gêmea, o Cisne Negro, o envolve e seduz seu futuro amado.
Requerendo uma bailarina capaz de interpretar tanto o Cisne Branco, idealizado com graça e inocência, quanto o Cisne Negro, maléfico e sensual, Nina se encaixa perfeitamente na primeira descrição, tendo agora que introduzir um lado sombrio e conflituoso, nesta difícil transformação entre Branco e Negro.
Darren Aronofsky tem com característica não se pegar a formulações já estabelecidas, e costuma criar ambientes esteticamente deslumbrantes e que consigam aliar de maneira singela arte e cinema. Estranho o fato de ele ser diferenciado por aliar cinema á arte, já que este é considerado a sétima arte, não? Porém estas duas palavras ultimamente andam cada vez mais distantes.
Dispensando então uma trama mastigada e que venha apenas com o intuito de ser digerida de forma instantânea, Aronofsky apreende o espectador neste seu mundo complexo, por horas de difícil apreensão, mas que, exala um tom apreciativo fabuloso. “Fonte da Vida”, “Réquiem para um Sonho” e “PI”, trabalhos anteriores do diretor, não precisam ser entendidos milimetricamente, precisam sim, ser sentidos, interceptados por nossos olhos, delirantes com a esquematização de seus projetos. “Cisne Negro” é assim, nos mergulhando neste mundo incógnito entre realidade e imaginação, Aronofsky consegue transmitir o temor de Natalie Portman para o público, que tão pouco quanto à protagonista, sabe diferenciar o real do não real. Utilizando uma câmera em primeira pessoa quando Portman anda, complementando sempre com a sublime fotografia de Matthew Libatique, ‘Black Swan’ está repleto de simbolismos (prestem atenção nos espelhos), ou, como praticamente todas as pessoas em volta de Nina sempre estão com roupas pretas, ancorando assim a produção na arte do dualismo entre o bom e o mal, errado e o certo, o branco e o negro.
Toda a peça cinematográfica, assim como uma teatral, é iluminada pela interminável trilha sonora de Clint Mansell, onde mal conseguimos distinguir o que é sua trilha ocidental da própria música existente nas tomadas das apresentações de balé.
E se anteriormente, Aronofsky extraiu, – improváveis – atuações memoráveis de Jared Leto e Jennifer Conelly, além de ressuscitar Mickey Rourke das profundezas do esquecimento, agora entrega o papel da vida de Natalie Portman.
Passando por uma transformação pré (Portman emagreceu mais de dez quilos para o papel) e durante toda a produção, conseguimos rapidamente nos identificar com toda sua ‘branca’ inocência: Em seu quarto todo cor de rosa, repleto de bichos de pelúcia, visualizamos uma áurea de princesa amedrontada dentro de sua meiga fortaleza, e, com essa mesma ‘naturalidade’ e intensidade, sentimos sua apoteose ‘negra’ com olhos vermelhos executando passos agressivos de intimidação mórbida diante de uma platéia inteira.
Vincent Cassel (“Senhores do Crime”) tem uma participação excelente, mostrando a rigidez de um treinador, assim como todos seus métodos, eficientes, mas nem sempre éticos. Mila Kunis, a Jackie de “That 70’s Show”, apenas está correta no papel da rival de Portman, conseguindo uma exagerada indicação ao Globo de Ouro. Indicação essa que seria muita mais justa se fosse dada a Barbara Hershey (“Retratos de Uma Mulher”) que consegue nos remeter a Piper Laurie no clássico “Carrie, a Estranha”. Tentando guardar a sete chaves a pureza de sua filha e sabendo quais serão as conseqüências, Hershey apresenta uma grande atuação. Winona Ryder (“Drácula de Bram Stoker”) mesmo estando poucos minutos em cena, também não faz feio, e quando exigida vai muito bem.
Explicar a sensação términa em “Cisne Negro” ou ao menos tentar elencar seus méritos somente descrevendo Natalie Portman, Aronofsky, trilha sonora e direção de arte seria muito injusto com o próprio filme. No fim, temos consciência que apreciamos o resultado final, mesmo que não saibamos explicar de maneira lógica. Escrever, falar, ou dançar passos de balé, não conseguiria desenvolver de forma tão impressionante quanto somente o cinema pode nos proporcionar. Natalie Portman planta uma semente dentro de nosso consciente, parecendo que, a cada dia, esta semente vai crescendo, crescendo, crescendo…até quem sabe, chegarmos a forma mais perfeita de todas.
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