Nina Sayers (Natalie Portman) é uma esforçada bailarina de Nova York, conhecida por sua perfeição nos movimentos – que são também um tanto frígidos. Quando o diretor da companhia, Thomas Leroy (Vincent Cassel), resolve recriar o famoso balé “O Lago dos Cisnes” e escolhe Nina para o papel da Rainha Cisne – onde ela faria, no mesmo espetáculo, o Cisne Branco e o Cisne Negro – a bailarina vê-se diante de um desafio: “deixar-se levar” pelo Cisne Negro e, assim, fazer-se mais sedutora. E por que não dizer má? Tudo em nome de uma interpretação perfeita.
Se em Cisne Negro (“Black Swan”, Estados Unidos, 2010) Nina deve interpretar dois papéis, aqui fora Natalie Portman teve de fazer o mesmo. Ao mesmo tempo em que ela vive uma garota emocionalmente delicada e inocente, talvez até submissa – característica que Natalie imprime com excelência –, há o outro lado: o da menina ousada, sexy, rebelde e transgressora que ela deve se tornar. Alguém que não mede esforços para atingir seus objetivos, ferindo até as pessoas queridas ao seu redor. E é por interpretar duas personagens num filme só – e pelas inúmeras cenas fortes feitas convincentemente – que a jovem atriz israelense deve levar o Oscar no dia 27 deste mês, mesmo com concorrentes de peso como Annette Bening e Nicole Kidman.
Vincent Cassel brilha mais uma vez, numa atuação sensual como a que deu origem ao Duque D’Anjou (“Elizabeth”) e com quês de agressividade, como em “Senhores do Crime”, pelo papel do assassino mafioso Kirill. Em Cisne Negro ele é um homem ambicioso e despudorado no que concerne a fazer com que suas alunas atinjam o objetivo que ele quer. E a novata ucraniana Mila Kunis convence na interpretação de Lily (seu papel mais importante até agora no cinema), uma bailarina recém-chegada de São Francisco e que parece ser a chave de Nina para um mundo menos tradicional. Com uma sensualidade digna de atrizes brasileiras – e que é exponenciada por um par de grandes e agudos olhos verdes –, Mila executa seu papel de forma simples, na exatidão que a personagem demandava. Destaque também para as atuações de Barbara Hershey que vive a mãe de Nina, Erica Sayers, uma bailarina aposentada precocemente – e, por isso, frutrada – graças à gravidez que gerou sua única filha; e Winona Rider que, numa participação tímida como a bailarina em decadência Beth Macintyre, ainda consegue imprimir na tela os olhares furiosos que consagraram a sua fama.
Cisne Negro, como um bom thriller psicológico, procura ser sensorial ao máximo. E consegue, com várias cenas de cortes afiados e delicados – sempre com pouco sangue e muitos suspiros e gemidos. Como se o diretor Darren Aronofsky quisesse nos passar a ideia de que, no mundo da dança, o limiar tênue entre a carne íntegra e a cicatriz depende, entre outros fatores, da sanidade mental de quem dança. Uma corda bamba onde a pressão psicológica força constantemente o bailarino a cair em um dos dois lados, o de Cisne Branco (onde o que conta é a perfeição nos movimentos) e o de Cisne Negro (onde vale a paixão e espontaneidade do ato de dançar). Não pode-se nunca ser imparcial como Nina tentou. A arte imparcial não tem paixão, é insossa.
Talvez a maior arma de Darren tenha sido a trilha sonora, composta essencialmente por trechos do balé “O Lago dos Cisnes”, do compositor russo Pyotr Ilich Tchaikovsky. Um trabalho bastante conhecido, até para quem não aprecia música clássica. O mérito de Aronofsky é querer dar ao público proporções épicas dos transtornos psicológicos da protagonista usando a música de Tchaikovsky. Por outro lado, o seu erro talvez tenha sido se deixar levar pelos recursos de computador para ilustrar as paranóias de Nina, pondo o público na mente dela. O contraste do clássico do balé com o tecnológico dos efeitos especiais soou intragável e feio, num filme que prima, em todos os aspectos, inclusive na sua história, pela busca da beleza perfeita.
O roteiro é sim um tanto raso, talvez até clichê: a personagem principal, pacata e doce, tem sua vida sacudida por um desafio do qual ela sai vitoriosa e transformada. Receita de um sucesso, que ainda traz a velha – e talvez batida – temática da busca pela perfeição. Sim, o filme tem tomadas repetitivas – porém algumas geniais – e diálogos previsíveis. De fato, quem for aos cinemas assistir Cisne Negro à procura de algo inovador e diferenciado, irá se decepcionar, pois não é um filme a ser comparado com obras primas ao nível de técnica. É uma obra de arte, meticulosa, detalhista e, por vezes, grandiloqüente, que deve ser apreciada por sua singularidade como tal e que, muito mais do que ser julgada, deve ser sentida – como diria a personagem principal no ato final.
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