“O que tem de tão bom na verdade? Tente mentir de vez em quando, é o que todo mundo faz...”
Dizer que as palavras ferem não é novidade alguma, chegando a ser um clichê a utilização dessa frase. Mas poucas vezes nos damos conta dessa realidade, disparando mentiras e/ou verdades sem importar o sentimento de nosso interlocutor ao receber as pequenas ferroadas que deixam nossas bocas. Em Closer – Perto Demais diálogos são batalhas e as palavras armas mortais. Os quatro personagens que estrelam a narrativa de Mike Nichols se conhecem como poucos e sabem que, melhor que uma mentira, é aproveitar-se da confiança um no outro e dizer uma verdade dolorosa no momento certo levando o adversário a nocaute.
Apresentando um quadrado amoroso que em diversos momentos lembra o poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, Closer – Perto Demais é estrelado por adultos que parecem não ter deixado a adolescência completamente para trás, sempre dispostos a tudo pelo próprio bem, magoando e deixando pessoas sem importar-se com nada além do egoísmo que move suas decisões. Assim, quando a personagem de Natalie Portman indaga ao escritor interpretado por Jude Law o porquê de estar sendo deixada, ele não hesita um segundo antes de dizer “acho que serei mais feliz com ela”, como se a simples sinceridade de suas palavras pudessem eximi-las de qualquer dor que invariavelmente causariam em sua namorada – negando o fato de que a simples crueza com que diz essa frase a tornam mais duras do que a realidade que representa.
A personagem de Portman é Alice, um stripper que ao ser atropelada conhece Dan (o personagem de Law), com quem começa um romance, inspirando-o inclusive em um de seus livros. Numa sessão de fotos para a capa dessa publicação, ele conhece Anna (interpretada por Julia Roberts), com quem começa um caso fora do relacionamento, algo logo descoberto por sua jovem companheira, que permanece ao seu lado. Quando Anna decide acabar a relação com Dan, ele se frustra e por vingança a faz se encontrar com Larry (Clive Owen), um médico que passa horas em sites eróticos. Quando o médico e a fotógrafa se conhecem, porém, iniciam um romance que viria a se tornar casamento, o que não impede Anna e Dan de restabelecerem seu caso extraconjugal. Fechando a última ponta do quadrado, Larry não hesita em seduzir (ou ser seduzido) por Alice com o único propósito de ferir Dan.
Adaptado por Patrick Marber de sua peça teatral, Closer – Perto Demais, como não poderia deixar de ser, se centra em diálogos muito mais do que ações. E sendo assim, é ótimo constatar que os mesmos são muito bem escritos e interpretados por seus atores, afinal, caso o contrário acontecesse, o fracasso do longa seria difícil de evitar. Auxiliados pela montagem fragmentada, os diálogos vistos aqui assumem uma crescente de crueza insuportável, tornando a tarefa de assistir seus personagens conversando (ou lutando com os lábios) estafante, tal qual servir de espectador da discussão de um casal na rua. Geralmente apelando para o sexo na hora de ferir, os personagens não hesitam em descrever/perguntar em detalhes sobre como seus parceiros transam com os diferentes amantes, resultando em frases que já nascem destinadas a um dolorido desfecho, afinal, perguntas como “ele transa melhor que eu?” nunca encontrarão uma resposta satisfatória, já que o próprio ato de formular a pergunta representa uma mágoa gigantesca.
Ancorado em um elenco que se revela brilhante do inicio ao fim, Closer – Perto Demais apresenta desempenhos espetaculares de seu quarteto (algo auxiliado pela decisão de Nichols em explorar planos fechados, valorizando as emoções de seus atores): afastando-se do perfil que tanto explora em comédias românticas, Julia Roberts utiliza seu talento para tornar Anna uma mulher madura de idade, mas terrivelmente insegura de si quando se trata de relacionamentos – algo provavelmente nascido de seu primeiro divórcio – revelando decisões que se confundem entre o egoísmo e a auto-preservação. Jude Law, indo além de um mero rosto bonito, surge em cena como um típico galanteador inglês, iniciando uma assustadora decadência que culmina na queda de sua auto-imagem ao desferir um tapa no rosto da mulher que amou um dia.
Indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, Clive Owen compõe Larry como um homem rude, que parece sempre pronto a se descontrolar e explodir sua raiva latente, não hesitando, no entanto, em chorar como um adolescente rejeitado ao perceber que a esposa que ama pode não nutrir o mesmo sentimento por ele. Também indicada ao Oscar (como Melhor Atriz Coadjuvante), Natalie Portman apresenta o ponto mais alto de Closer – Perto Demais, com uma performance centrada que mescla seu rosto jovial com a alta sensualidade da personagem, explorando ainda seu alto potencial dramático nas cenas mais exigentes (sua última discussão com Dan, por exemplo) e claro, transitando entre a fragilidade e o controle total de seus interlocutores, surpreendendo ao final com revelações insuspeitas sobre Alice.
Encerrando com uma rima narrativa que liga suas duas pontas, ao som da belíssima “The Blower’s Daughter”, de Damien Rice, Closer – Perto Demais é um filme brilhante, mas nem por isso uma experiência menos dolorosa de ser acompanhada.
Amo demais esse filme, o que considero até um certo masoquismo. Já vi cinco vezes.
O texto ficou muito bom e a escolha por sublinhar os desempenhos individuais dos atores foi um grande acerto. É um filme de elenco afiadíssimo, talvez os melhores papéis dos envolvidos.
Parabéns, Pedro.
Obrigado, Patrick.
Masoquismo define mesmo o gostar desse filme. Sofremos com os personagens e continuamos querendo assistir de novo.
Cara vlw pela análise do filme e personagens, uma das melhores que já li por aqui.
Eu que agradeço a leitura e o elogio, Leandro 😁