FILMADO EM PRIMEIRA PESSOA, COM O MARKETING EM PRIMEIRO LUGAR
É impressionante o poder de uma campanha de marketing bem feita nos dias de hoje. Sem isso, Cloverfield: Monstro (o subtítulo mais desnecessário das últimas décadas) teria passado completamente despercebido pelas salas de cinema mundo à fora. Porém, bastou o nome de J.J. Abrams ser vinculado a produção do projeto que as expectativas saltaram consideravelmente, apenas para serem frustradas posteriormente. Mas não se pode negar que a divulgação do filme foi muito bem feita. Em quase todos os lançamentos de 2008 nos cinemas, os trailers sem qualquer descrição despertavam a curiosidade da platéia, que muitas vezes sequer prestava atenção no filme que se seguia, tamanha era a ansiedade em descobrir do que se tratava aquela propaganda. Após o sucesso no fim de semana de estréia, Cloverfield despencou nas bilheterias de maneira assustadora. E a razão para tal é muito simples: Cloverfield é ruim demais!
Com um desenvolvimento nulo de seus personagens, Cloverfield é bem sucedido em fazer com que nos seus instantes iniciais nos esqueçamos que se trata de um filme de monstros, pelo simples fato de que não nos interessamos e nem prestamos atenção em nada do que está sendo mostrado. Quem, em sã consciência, acreditou que mostrar uma festinha de despedida repleta de jovens de classe média de NY e seus dilemas amorosos do tipo "eu vou embora e não disse que te amo" seria o suficiente para criar algum tipo de elo com o espectador? Não há o mínimo de trabalho em cima de suas relações. Na verdade, o diretor Matt Reeves aposta em dois artifícios da mais alta canastrice para tentar nos induzir a torcer por seus personagens. O primeiro e mais convencional é deixar claro os laços entre o grupo de personagens: o protagonista e sua amada, seu irmão e sua namorada, o melhor amigo do protagonista e a garota que ele gosta mas não tem coragem de se declarar. Três casais dos mais sem graça que se pode imaginar. O segundo artifício é ainda mais degradante, no que diz respeito ao trato com o público. Volta e meia o filme é interrompido para mostrar trechos de gravações anteriores onde acompanhamos o casal protagonista em momentos íntimos entediantes e até constrangedores. Sendo franco, eu até entendo esta opção, pois não só os personagens são muito fracos, como os atores também são muito ruins e desprovidos de qualquer química entre eles. Odete Yustman até pode ser bonitinha e tal, mas tenta ser sensual demais, apostando em caras e bocas mesmo em situações desesperadoras e até mesmo quando chora. Já Michael Stahl-David é dono de uma única expressão o filme todo e o momento em que seu personagem tenta sensibilizar os militares expressando seu amor por Beth é um momento de vergonha alheia sem tamanho. Ao menos, Reeves se mostra inteligente ao não mostrar demais a criatura criada por Neuville Page, pois quando o faz, ela (a criatura) decepciona muito. Os efeitos especiais, que consumiram grande parte do orçamento disponibilizado, são de baixíssimo nível, comprometendo demais a única esperança de salvação do filme.
Como já era de se esperar, o roteiro de Drew Godard é o ponto mais fraco de Cloverfield, pois além da câmera com bateria com carga infinita, já habitual neste tipo de filme, e a inverossímil atitude de continuar filmando mesmo nas situações mais adversas (aqui, um personagem segue gravando mesmo quando está sendo devorado vivo!), algumas incoerências chamam a atenção, sempre com uma alegação final contradizendo aquilo que havia sido afirmado lá no início, principalmente com relação ao envolvimento dos personagens (na festa, Marlena afirma nem conhecer Rob direito, dizendo que o viu apenas umas duas vezes na vida quando estava embriagada, e na gravação final ele sabe até o sobrenome dela).
O filme de Reeves assemelha-se demais com Godzilla de Roland Emmerich, concentrando sua narrativa em um corre-corre descerebrado pela cidade sem maiores objetivos, deixando inclusive o monstro em segundo ou terceiro plano. Até mesmo o estado físico dos personagens é confuso: quando um helicóptero cai, todos os militares morrem, mas os mocinhos saem ilesos. Ou. Beth, que passa o filme inteiro ferida com uma barra de ferro atravessada no peito e, em questão de minutos, já está saltitando e correndo por aí - e caindo de helicóptero também.
Cloverfield sintetiza tudo aquilo que um filme não deve ser: prepotente, se leva a sério até o fim, não diverte e tampouco embarca na própria viagem, deixando a platéia tão confusa quanto seus personagens. Em suma, Cloverfield é a prova de que, mesmo o marketing fazendo o seu papel bem feito, a qualidade do filme independe do mesmo. Está muito mais nas mãos de quem elabora o produto do que de quem o vende.
Belo mesmo. Cristian foi cirúrgico em vários momentos de sua narrativa. Não com o intuito de salvar o filme, mas de sepultá-lo de vez. Algo que esse aqui merece. Conveniente pá de cal.
Decepção total com o Mr. Abrams por ter associado-se a esta bosta....
Nossa Cristian, eu gosto deste trabalho de Abrams e Matt Reeves (bem filmado, priorizando momentos de tensão). E apesar de discordar, o texto esta ótimo. 😉
Luiz, não sei se foi a alta expectativa que criei, mas me decepcionei muito. Prefiro o trailer, kkkk