''As coisas que você possui acabam possuindo você.''
Comentar sobre o filme Clube da Luta não é nada simples, mas para chegar em tal ponto é preciso antes quebrar as duas primeiras regras, do contrário isso se torna impossível, simples e poético, com um tom depressivo e visceral, com atuações dignas de tirar o chapéu, hoje vamos falar de Fight Club e sobre como um filme pode mudar a vida de uma pessoa por completo, com o ato de pensar.
No ano de 1999, ano de muitos filmes que revolucionaram e marcaram o cinema, fomos agraciados com este, que viria a se tornar cult um tempo depois, dirigido por David Fincher (que já havia feito o excepcional Seven - Os Sete Crimes Capitais de 1995) e com um elenco cheio de bons atores, o resultado não poderia ser diferente, com um porém, isso aqui não é um filme qualquer. Em um ano com tantos filmes e seus roteiros pragmáticos o filme de Fincher se sobressai, Beleza Americana, O Sexto Sentido, Matrix, etc. Muitos tratando de forma filosófica a vida, poetizando o roteiro, ou dando destaque maior para a história em si, Clube da Luta trabalha de maneira diferente, levando o personagem a ser o narrador, o protagonista, o coadjuvante, o antagonista, talvez até o espectador. A grande e real diferença é que não é apenas mais uma obra qualquer, de mais de duas horas, com roteiro e fotografia caprichados, a trilha sonora que empolga, não é apenas isso, é o diálogo, a conversação que existe entre quem está assistindo e quem faz parte de todo o show, é como se o filme conversasse com você e te levasse em uma viagem, uma aventura, por vezes confusa e outras nos mostrando a realidade nua e crua que percorre até os dias atuais, é como um bate-papo de mais de duas horas, um bate-papo empolgante e verdadeiro.
A personagem louca e depressiva de Helena Bonham Carter consegue ser interessante pelo seu mistério e sua frenesi. O Narrador (Edward Norton fantástico nesse personagem tão imprevisível quanto impensável, mas perfeito em sua loucura, seus vícios, sua obsessão e em sua mais completa complexidade durante a projeção) e Tyler Durden (Brad Pitt em seu segundo trabalho com Fincher mostra o que é ser ator, não existem palavras para descrever o personagem e toda a sua construção de perfil, desde seus diálogos, tiques, risada até a vestimenta, todos os mínimos detalhes, são pensados para uma revelação final no terceiro ato do filme, sobre a personalidade que é Tyler Durden) regem o filme como um rei governa seu reino, a ambientação e atmosfera criada pelos personagens é gigantesca e o que conduz o filme, não citando as jogadas de câmera, a edição de som no tempo certo, o foco da câmera, o destaque na feição dos personagens, a ênfase em tal objeto ou detalhe, o corte final, tudo parece conduzir serenamente, tendo um início, meio e fim evidentes, não só pelo desfecho mas porque qualquer espectador que tenha acompanhado com atenção desde o começo do filme irá entender e compreender a mensagem que é passada, mensagem esta que foi sendo construída ao longo de duas horas. E qual é a mensagem? Pode ser algo profundo, algo superficial, mas individual, pode atingir ou não seu objetivo, mas uma coisa fica clara: o consumismo, o medo e a ignorância. Descobrir quem de fato é Durden e o Narrador é como um soco no estômago ao dobrar a esquina, é inesperado, é forte e rápido, tão veloz que ao receber o golpe nem sequer a dor é sentida, só vamos perceber isso minutos depois. Talvez seja a relutância em acreditar em um primeiro momento, a incredulidade que é levada até o fim. Isso só mostra que a situação funciona, que o espectador está ligado no filme, participando efetivamente da história, quem não desejaria ser Tyler Durden por um dia?
O primeiro ato além de maravilhoso é bem dirigido, sua narrativa - a do próprio personagem - é cativante e desperta uma curiosidade por trás daquilo, por trás daquela figura que nos conta sua vida miserável, cheia de vícios e consumismo, seu local de emprego e suas obrigações, o segundo ato lá pelas tantas pode ser que acabe deixando uma ou duas pessoas perdidas, pegando o começo do terceiro ato o filme atinge novos patamares, mostra sua ambição, só aí então nós enxergamos a magnitude de toda a narrativa trilhada até ali, mais de duras horas podem cansar, mas o roteiro e a boa direção - além das já citadas atuações - fazem com que o filme se sustente por si só. Existe algo em Clube da Luta que pode não satisfazer ou agradar a todos, seja a narração ou a forma como a história é conduzida, até mesmo o gênero, mas é inegável o que o filme pode proporcionar para aqueles que querem tentar entender um pouco mais sobre os delírios de um homem em um mundo moderno, com vícios, consumo excessivo, medos e a representação de uma existência insuficiente.
Um excelente trabalho de David Fincher e todo o elenco, um filme que certamente todas as pessoas alguma vez já ouviram falar, as famosas regras, é um filme como poucos e para poucos, em um ano com tantas obras que consistiam em falar sobre o sonho americano, a fé e espiritualidade ou o domínio de máquinas sobre os humanos, Fight Club se destacou, não porque é um filme fora de série, mas porque apresentou duas faces, a realidade e a imaginação - ou talvez uma paranóia - e fez isso de forma magistral, ainda mais que isso, é uma obra que projeta reflexões sobre o modo que vivemos nossas vidas e como lidamos e nos relacionamos com os outros em um mundo feito de substancial materialismo, afinal, o que realmente é importante para você e sua vida? Poucas coisas na vida são capazes de criar reflexões tão profundas e pessoais, a ponto de mudar seu ponto de vista sobre relacionamentos e a existência, o que é essencial e o que não é?
Sem dúvida é mais do que recomendado, provavelmente o melhor trabalho de Fincher, um dos melhores filmes dos anos 90 e do cinema.
''De repente, eu não sentia mais nada. Não conseguia chorar, e mais uma vez, não conseguia dormir''.
- ''Você me conheceu num momento estranho da minha vida''.
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