Steven Soderbergh nunca me chamou muita atenção e confesso que não tenho o conhecimento necessário de suas obras, tendo assistido apenas Traffic, fraquíssimo por sinal. Não é um diretor muito badalado, mas sempre trabalhou com bons atores e já levou uma Palma de Ouro em Cannes pelo seu cultuado filme de estréia Sexo, Mentiras e Videotape (1989) e um Oscar (injusto, claro) por Traffic, onde no mesmo ano também concorria por Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento (2000). 'Contágio', porém, exibido no Festival de Veneza, surge como uma boa surpresa, com um tema batido mas transformado num debate contemporâneo e muito interessante.
Com um texto tão interessante como o do roteirista Scott Z. Burns, 'Contágio' poderia dar vôos mais altos se outro diretor tivesse assumido a empreitada. 'Soderbergh' limita o próprio filme ao embalá-lo como um produto comercial quase igualando-o aos inúmeros filmes do gênero já esgotado, parecendo ter medo de decepcionar a grande massa de espectadores. Uma hora é a trilha sonora de Cliff Martinez que surge em momentos inapropriados, em outra é o mesmo clima apocalíptico das ruas com pessoas quebrando vitrines e ateando fogo em carros, em outra é o drama familiar clichê, e por fim, o final desnecessário e que subestima a capacidade do espectador em mastigar o filme nos mostrando-o sendo mastigado. O final talvez não seria um problema, afinal não haveria nada demais em saber a origem do tal vírus, mas Soderbergh não sai do convencionalismo e de forma gratuita inicia o filme com o 2° Dia para no final satisfazer o público dando um explicação plausível da origem do vírus.
Assim, 'Contágio' afigura-se mais à um filme empacotado, certinho e aprazível do que um filme crítico e com muito mais a dizer do que um bando de médicos que descobrem a cura para um vírus letal. Até porque a premissa é muito boa e é justamente o texto em que ela se encaixa que o filme se sobressai. Imagina um vírus altamente contagioso que se alastra pelo planeta em pouquíssimos dias e que é capaz de dizimar a raça humana em poucos meses. Esqueça cenas de ação, doentes ou zumbis correndo e atacando outras pessoas, e também não pense só em cidades abandonadas, e todo aquele caos apocalíptico, imagine agora o caos entre a classe jornalística, a ciência, a mídia, o governo e a sociedade no meio de uma situação destrutiva como esta. Esse é o ponto mais interessante de Contágio, e é onde vemos mais acertos. Por mais que esteja estampado em nossas fuças o que o homem é capaz de fazer para o próprio benefício, é assustadora e revoltante a forma como nos é passado no filme (Tropa de Elite 2 é um grande exemplo).
'Alan Krumwiede' (Jude Law) que é o personagem mais interessante do longa, é um jornalista que quer lucrar e se beneficiar com esse caos mundial. Possui um blog na internet e acredita que criou uma cura natural para o vírus. 'Dr. Leonora' (Marion Cotillard) faz parte de uma organização mundial de controle de epidemias e é enviada para Hong Kong para pesquisar a origem do vírus. 'Dr. Cheever' (Laurence Fishburne), 'Dr. Mears' (Kate Winslet) e 'Dr. Hextall' (Jennifer Ehle) são médicos de Centro de Controle de Doenças dos EUA, e estão em busca de informações sobre o vírus, pistas de sua origem e uma possível cura. E o casal 'Mitch' (Matt Damon) e 'Beth Emhoff' (Gwyneth Paltrow) são talvez os protagonistas desse amontoado de personagens. Beth foi talvez a primeira infectada e morre após uma convulsão súbita. Não existe grandes momentos para se explorar melhor a cada personagem. Cotillard praticamente desaparece na metade da projeção, Damon fica em segundo plano, Paltrow fica poucos minutos em cena e só aparece em mais alguns flashes de sua ida ao Japão, Dr. Hextall ganha mais importância na segunda metade em função das possíveis descobertas da cura. A estrutura narrativa as vezes se quebra por descuidados como este, mas soderbergh ainda leva o filme de forma interessante, e digo sem receio, que foi do início ao fim.
Esse conjunto de personagens até ajuda da criação do debate promovido pelo filme. Todos estão diante da situação mundial, e cada um reage a ela da sua maneira. O governo que quer omitir os fatos para a população, o jornalista que não para pra pensar que a raça humana está morrendo e que não está vivendo num videogame, e só pensa em promover sua "falsa cura" pois acredita que o governo manipula a mídia e principalmente, dentro desta situação, a indústria farmacêutica que está sendo controlada por eles para não venderem curas falsas. Enquanto isso, 2,5 milhões de pessoas já morreram nos EUA em poucos dias, e como fica a sociedade numa situação dessas? Ninguém pode ter contato com ninguém, as pessoas estão abandonando suas casa e migrando para outras cidades, supermercados estão sendo arrombados e saqueados, farmácias com filas imensas em função da falsa cura publicada pelo jornalista na internet, galpões e mais galpões sendo ocupados por doentes, cobertores em falta, e políticos e médicos sendo sequestrados e chantageados quando a cura é criada. Um verdadeiro caos universal. Seria os ricos os primeiros a receberem a cura?
Eu prefiro enxergá-lo como um ensaio de uma situação como esta. Espere um filme sobre como o mundo reagiria se houvesse uma epidemia de proporção mundial e como agiriam os bastidores (Política, jornalismo, mídia, Medicina) dessa crise. Tem os seus excessos principalmente ao ego americano que no final é como um grito "EUA salva o mundo", os draminhas típicos como a médica recebendo uma lição do pai contaminado em cima de uma cama. A linguagem é interessante com citações da Gripe Espanhola e Gripe Suína, com explicações relevantes de alguns pontos medicinais como o tempo em que se leva pra criar vacinas para uma determinada população contaminada. É um tema que não agrada a todos e por conta disso tem tirado a paciência de muitas pessoas que o julgam por ser chato, por isso o mais aconselhável é que a pessoa procure se envolver, é um assunto atual e envolvente, a não ser que você procure cenas de ação alucinantes ou sangues de zumbis por todo lado etc...aí não tem jeito.
Só não sei se realmente esse Departamento de Doenças sabe quando uma pessoa do outro lado do mundo morre de convulsão, uma doença que acontece no mundo inteiro, e se realmente desconfiam de um vírus por causa disso.
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