James Dean morreu aos 24 anos em um acidente em que conduzia uma porsche em alta velocidade contra outro carro. Grace Kelly morreu aos 52 anos quando seu carro caiu de um despenhadeiro. Françoise Dorléac morreu aos 25 anos quando seu carro capotou e explodiu. Linda Lovelace capotou com seu carro e bateu em um poste. E em exemplo mais recente, Paul Walker no banco de passageiro em uma porsche bateu em um poste e morreu junto ao seu amigo Roger Rodas.
E finalmente quando o primeiro acidente de carro acontece em Crash – Estranhos Prazeres(Crash, 1996), James Ballard(James Spader) vê assim como nós, um corpo voando rapidamente, em uma velocidade absurda em seu vidro, ao seu lado. O olhar de Helen(Holly Hunter) e James pairam sobre o ar mesmo um focado no outro. Além do choque de uma batida repentina, há uma sensação não só de indignação, há raiva e um sentimento estranho que ambos nunca haviam experimentados de forma tão curta, dolorosa e silenciosa, estavam enfim diante da vida e da morte.
Cronenberg é um cineasta das transformações, tudo o que faz está prestes a se transformar, se mutar. Dentre êxtases e choques, não só observa, mas explora, é um jovem menino que aprendeu o que significa a química em seu sentido mais puro. Em Crash, não só deleitamos de um prazer profundo, mas também de um fetiche. Os carros na mão do canadense, não são apenas objeto de prazer, se transformam em poções, drogas, substâncias tóxicas, que precisam ser testadas em alguém e usa a pobre humanidade para testa-los.
Quando James e Helen – já envolvidos em um clamor de rebeldia e um fogo insaciável – assistem ao espetáculo/show/cinema de um esquisitão cheio de cicatrizes chamado Vaughan(Elias Koteas), que naquela noite pretendia refazer a ação que finalizou, matou e eternizou com a lenda de James Dean, ambos já estavam tomados por essa estranha ambição, sensação. Talvez o que menos importe sejam as celebridades que morreram nos carros, já estão eternizados, mas sim o que fizeram para eles são grandes obras de artes, e para Vaughan e todos os outros reviver esses momentos é uma tentativa de renascer como eles, praticar um esporte, reviver a memória deles em suas cabeças, passar um filme em um projetor realista, um exercício de sentir emoção a flor da pele como um grande e poderoso êxtase que os toma por completo, mais que um fetiche, querem sentir nos poros a velocidade.
E é a velocidade a grande adorada em Crash, ela é a principal, mais do que os espectadores, mais do que o realizador, o grande espetáculo, a velocidade, é como a câmera no cinema, sem ela, nada disso existe. Ela é o elo entre a vida e a morte, entre uma lesão profunda deformada permanente e uma eternização na memória dos outros, a velocidade é o que motiva o sexo, a violência de seu ato que está presente tanto em Vaughan – com suas respectivas milhares de cicatrizes, que são como complementos, partes da obra, desse projeto obscuro que ele pretende criar - e os carros destruídos são o ponto final, é a marca de que a obra de arte está concluída. O perigo e a falta de segurança são meros artifícios para compor esse estranho prazer, a cada batida para todos os malucos que ingressaram na jornada, são idênticos e totalmente válidos para o cinema, independente dos sexos, cores, o que importa é a emoção do ato da colisão de dois automóveis, o ápice, que para muitos pode ser a mise-en-scene, tour de force, close, início ou final. O fato é que mais do que nunca, Crash afirma para si e para Cronenberg que essa busca, jornada pelo prazer dentro da vida, por mais que a humanidade tente procurar saber(e até desvendar), só pode ser encontrada, como diria o velho sábio, na morte.
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