“Eu não tenho medo de você...”
Vampiros são seres de aspecto gótico, sensuais, mas, ainda assim apavorantes, de avantajados caninos, atormentados por sua própria existência como vampiros, intolerantes à luz do Sol e ao alho, que habitam castelos de aparência medieval por onde circulam transformados em animais – geralmente morcegos - e que claro, não hesitariam em morder um belo pescoço para se alimentar de sangue humano. Isso, claro, na visão de Bram Stoker, Anne Rice ou qualquer conhecedor da mitologia clássica por trás dos sugadores de sangue, pois, segundo Stephanie Meyer, autora do livro Crepúsculo, no qual se baseia o filme homônimo, os vampiros são adolescentes sem graça, com toques de estilo emo, não se transformam em animal algum e só tomam conhecimento destes ao se alimentar já que, “vegetarianos” por opção, não chegam nem perto de um bom pescoço humano, preferindo alimentar-se do sangue de veados e outros animais de porte pequeno (insira sua risada aqui), vivem em uma bela mansão e freqüentam o colégio da região, onde se envolvem em uma risível história de amor com a garota mais estranha e repulsiva da escola. Ah sim, os vampiros de Stephanie Meyer também são intolerantes à luz do Sol, mas, ao contrário de Drácula, não morrem em contato com esta, apenas... Brilham (insira sua risada aqui) igual diamante ou seja lá o que for...
Adaptado por Melissa Rosenberg a partir do livro de Meyer, Crepúsculo narra a história de Bella Swan que recém chegada à cidadezinha interiorana de Forks (que contém aparentemente mais habitantes que metade dos estados brasileiros á julgar por sua escola) para morar com seu pai e lá conhece Edward Cullen, um vampiro (insira sua risada aqui) de centenas de anos, por quem se apaixona, ignorando o perigo de se relacionar com alguém que pode se descontrolar e matá-la à qualquer momento.
Pontuado por um romance insípido, Crepúsculo falha em todos os aspectos possíveis em uma produção cinematográfica: protagonizado por um casal que em momento algum conquista o público, o longa ainda é prejudicado por um roteiro que, recheado de frases “românticas” saídas de um romance de quinta categoria apenas evidenciam a falta de tato de Meyer com o desenvolvimento de uma narrativa no mínimo razoável. Falhando também ao estabelecer a aproximação e a dinâmica entre o casal de protagonistas, Crepúsculo apresenta Edward como alguém completamente anti-social pra segundos depois, mostrá-lo se aproximando de Bella, para pouco depois, mostrá-lo tentando afastá-lo, para depois procurá-la novamente – e se isso já é ruim de ser lido em um parágrafo de poucas linhas, imagine em um livro de centenas de páginas ou em um filme inteiro?
Com a expressividade de um manequim de loja de roupas, Robert Pattinson transforma Edward Cullen no mais aborrecido vampiro à estrelar um filme: lutando, dizendo palavras de amor à Bella, tentando afastá-la dele, seja lá o que o personagem esteja fazendo, Pattinson mantém sempre a expressão de protagonista de Malhação, demonstrando que sua única preocupação ao compor o personagem foi com o cabelo milimetricamente despenteado.
O que colocado em contraste com a atuação de Kirsten Stewart torna a “performance” de Pattinson digna de um Oscar: demonstrando que ao tentar soar expressiva pode se sair pior que o congelado colega de elenco, Stewart atravessa o filme exibindo expressões desconfortáveis, tornando sua personagem uma garota pronta para fazer caretas para qualquer situação que viva, das mais prosaicas às mais sérias. Sendo assim, esteja Bella em perigo, dizendo palavras de amor à Edward ou tentando descobrir o que há de errado com o amado, Stewart mantém sempre o semblante de “que dor de barriga horrível, preciso ir ao banheiro” ou “que cólicas horríveis, a menstruação desse mês vai ser daquelas” – a própria atriz não deve saber diferenciar qual é qual.
O que não seria de se espantar caso a atriz conserve a mesma inteligência de sua personagem: provavelmente uma das “heroínas” menos dotadas de raciocínio lógico na história de cinema, Bella só consegue suspeitar que seu amado é um vampiro após repetir inúmeras vezes em voz alta todas as “pistas” que ele lhe dá e claro, ler as semelhanças entre ele e os chupadores de sangue em um livro – provavelmente Crepúsculo, afinal, é o único livro que conta com vampiros semelhantes à Edward, mas, divago.
Contando ainda com efeitos visuais que fazem jus ao seu elenco, Crepúsculo oferece aos espectadores alguns dos piores efeitos digitais em anos – em muitos anos, já que os efeitos empalidecem até mesmo diante de produções de 30 ou mais anos atrás – não conseguindo ilustrar com competência nenhum dos “poderes” de seu protagonista, de sua velocidade à força de vários homens, tudo parece ter sido feito por amadores em um trabalho de conclusão de curso. Trabalho esse, que obviamente não seria aprovado.
E se os efeitos especiais soam artificiais, a maquiagem utilizada em Edward e nos outros Cullen não se sai melhor: falsa como a computação gráfica mencionada anteriormente, os maquiadores não se preocupam nem ao menos em cobrir o pescoço e os braços dos vampiros, resultando em personagens com rostos pálidos como se estivessem gravemente doentes e braços e pescoço saudáveis.
Mas, como esperar qualidade de uma produção onde a própria diretora está perdida? Ignorando as qualidades exibidas em sua estréia na direção em Aos trezes, de 2003, Catherine Hardwicke exibe uma falta de domínio de linguagem narrativa preocupante para uma diretora profissional, compondo planos ridículos que figurariam fácil em uma novela mexicana mal-feita, como o momento em que Bella anda em círculos falando sozinha dentro de seu quarto, os constantes planos e contra-planos que pontuam diálogos risíveis e claro, sua insistência em utilizar cores frias (basicamente cinza e azul) para filmar o longa, o que se inicialmente revela-se uma decisão acertada por acentuar o isolamento emocional de Bella e Edward, revela-se apenas opção estética (equivocada) ao permanecer durante toda a duração do longa - ou talvez, ciente da frieza emocional do romance que filma, Hardwicke optou por salientá-la ainda mais através dessas cores.
Falho como experiência cinematográfica tanto técnica quanto narrativamente, Crepúsculo é um sucesso inexplicável tamanho as falhas que apresenta, mas, ainda assim possui ao menos uma qualidade: têm muitas continuações, o que pode ser uma ótima desculpa para adolescentes do sexo masculino convidarem adolescentes do sexo feminino para irem ao cinema. Mas, francamente: quem gostaria de acompanhar uma fã do longa em uma sessão desse tipo de filme?
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