Deve-se compreender que certas biografias e obras são por vezes complexas e impactantes demais e acabam dificultando a transposição para o cinema, porém se faz necessário também salientar que às vezes os diretores acabam não acertando no tipo de abordagem e comprometendo tanto a história como outros elementos técnicos cinematográficos.
O filme Criação se inscreve no contexto de películas onde o diretor parece “tropeçar” no projeto, aliás, por vezes transmite a impressão que não houve a chamada “química” entre a lente artística do diretor e o tema e em alguns momentos parece que não houve um planejamento mais esmerado na construção fílmica.
A obra Criação logo no seu início já comete um grave deslize como se fosse um prenúncio da seqüência de equívocos que envolvem o filme, pois na abertura são colocadas algumas considerações sobre Darwin e conforme o texto atribui-se que nunca um homem representou sozinho algo tão incisivo na história da humanidade.
Percebe-se o exagero na declaração porque tanto no campo científico como artístico não há como uma teoria científica no transcorrer do tempo se cristalizar como paradigma ou que um filme, uma ópera, um quadro, um livro se torne clássico por ser completamente original, afinal todo mundo sofre algum tipo de influência e isso não é pejorativo nem tão pouco diminui o peso e a importância de um feito ao longo da História.
Admite-se que o caráter de originalidade é o insight do cientista em criar uma teoria “genuína” que é fruto de todo um embasamento intelectual tanto dele como de outros pesquisadores e na arte é o estilo do artista que imprime o conceito de algo “original”, entretanto, em ambos os casos houve referências para aprimoramentos de idéias e ao mesmo tempo evitar caminhos infecundos já trilhados.
No caso de Darwin que indubitavelmente foi gênio se faz primordial algumas correções não para ofuscar a importância estupenda de sua obra e pensamento e sim para evitar a valorização demasiada de uns e a deslealdade para com outros pensadores que contribuíram para o pensamento darwinista como o próprio Lamarck, o naturalista e biólogo Alfred Wallace e o geologista e criacionista Charle Lyell entre outros. Ou seja, Charles Darwin não partiu do “zero” já havia estudos, pesquisas e trabalhos que possibilitaram a ele fundamentar a Teoria da Evolução das Espécies.
Agora retomando a obra cinematográfica apreende-se que o argumento utilizado para retratar Darwin sofre de uma gigantesca superficialidade focando sua vida pessoal e familiar em que ele sofre delírios em relação a sua filha falecida, no entanto esse mote envolvendo delírios e alucinações não tem o mesmo ímpeto do personagem John Nash de Uma Mente Brilhante e menos ainda o ar sombrio e intrigante do personagem Teddy Daniels do recente Ilha do Medo, pelo contrário é construído de forma superficial, irregular e sonolenta.
Sabe-se que Darwin viveu muitos dramas pessoais como uma suposta síndrome do pânico e com a doença de chagas que legou á Darwin convulsões musculares, falhas de coordenação motora, calafrios, insônia, vertigens etc. Aliás, tais sintomas são retratados durante o filme, contudo insuficientes para captarem a atenção. Outro fator também mencionado no filme era o questionamento que Darwin se fazia por ter casado com a prima o que poderia ter contribuído para a morte prematura de alguns filhos e mais uma vez tal aspecto não atrai interesse.
Nota-se em alguns momentos certos diálogos entre os personagens que ficam no esboço de algo que poderia ser discutido por um viés (dentre muitos) mais provocador como expresso nas seguintes citações: “Darwin você matou Deus”, “Há uma guerra entre a ciência e a religião”, infelizmente não vão além de citações.
A problemática proposta pelo diretor Jon Amiel não tem ênfase de construção e o motivo não é a problemática em si, porque gira em torno das ambigüidades vividas por Darwin dentro de sua própria família mais especificamente com a esposa e suas próprias questões de crença e concomitantemente com o período em que o pensamento darwinista reforçaria o embate entre fé e razão, ciência e religião. Entretanto, o cineasta britânico não conseguiu dar “corpo” nem na questão pessoal de Darwin e menos ainda na polêmica do assunto da Evolução das Espécies.
Considera-se que o momento abordado foca a comiseração de Darwin antes do lançamento da sua importante obra, mas nem isso pode ser encarado como um atenuante, pois, a trama não tem força, não é sólida e por vezes é desconexa comprometida também tecnicamente, a fotografia que poderia ser explorada nas lembranças das viagens de Darwin se resume a um pano de fundo de “historinhas” insípidas contadas por ele aos filhos, o cenário e o figurino também estão longe do primor técnico que conforme o período poderiam ter sido trabalhado com mais elegância. Mas os planos de cena se resumem “a casa e o quintal” de Darwin e o mote de focar a intimidade familiar não funciona nem como argumento e menos ainda como estética nos outros elementos técnicos que compõem a sétima arte, já nas atuações Paul Bettany continua sem apresentar novidades, isto é, performance regular e Connelly em cena não compromete mas passa longe de suas melhores atuações.
Talvez somente alguns raros momentos de Darwin com seus filhos é que se pode registrar algo de delicado e tocante.
Portanto, Criação falha no êxito principal que é fazer arte, “escorrega” no conceito de entretenimento e o mais grave não consegue em nenhum momento ilustrar dignamente o que foi um dos golpes mais duros que a humanidade sofreu na História que foi tirar dela a condição de divina e inseri-la na polêmica e frágil Evolução das Espécies e mesmo com todas as influências que permearam o pensamento de Darwin sua vida e principalmente sua obra revolucionária mereciam mais...
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário