Minha Maratona Woody Allen:
CRIMES E PECADOS (1989)
Esse filme é (me desculpem) foda! Não tem como descrevê-lo de outra forma. Que filme FODA! Woody Allen sempre carregou Shakespeare e Dostoiévski em seu repertório e sempre soube usá-los de maneira muito eficiente ao longo de sua carreira. Mas em “Crimes e Pecados” isso é potencializado ao máximo.
Cliff Stern (Allen) é um cineasta idealista e que se recusa a trabalhar para um sistema castrador de ideias, ao contrário de seu cunhado Lester, um produtor de sucesso, mulherengo, banal e com delírios de grandeza. Em paralelo, um grande oftalmologista, dr. Judah Rosenthal (Martin Landau), se vê em apuros quando sua vida familiar é ameaçada por sua amante, Dolores (Angelica Huston), que pretende revelar o relacionamento dos dois para todo mundo. Estas duas histórias estão interligadas por personagens secundários, como o rabino que está ficando cego (Sam Waterston) e o próprio Lester.
O filme é uma sucessão de grandes momentos, sabiamente prolongados pelo diretor, como o plano longuíssimo durante a conversa entre Judah e Dolores no apartamento desta, ou na sequência em que Judah, em uma crise existencial violenta, delira com a presença do rabino em sua casa, ou ainda a reminiscência de um jantar em família ocorrido na adolescência de Judah, mas que, curiosamente, ele interage com os personagens. Aliás, o filme se sustenta principalmente em seus atores. Angelica Huston cria um tipo instigante de mulher histérica que constantemente nos faz mudar de opinião sobre ela; Mia Farrow, em um papel menor, nos dá uma falsa sensação de tranquilidade e sabedoria; Alan Alda se diverte com seu Lester, num tipo canastrão que adoramos detestar; e Allen se sai absolutamente bem, mesmo aparentando repetir todos os seus trejeitos típicos, mas as nuances mínimas e pequenas desilusões de Cliff Stern se tornam tocantes e dignas de pena (sem perder, é claro, o tom sarcástico ao lidar com a perda de alguém que julgava intelectualmente íntegro.)
Mas é Martin Landau que domina absoluto. Ator absolutamente brilhante, Landau cria talvez o melhor desempenho de sua carreira (ultrapassando inclusive sua versão de Bela Lugosi em “Ed Wood”, de Tim Burton). Dono de um rosto incrivelmente marcante, Landau tem plena consciência de suas linhas de expressão e as usa milimetricamente bem, mas de forma absolutamente natural, o que torna sua atuação quase sublime. Capaz de nos causar repulsa ao decidir por em prática um plano horroroso, Judah desperta a simpatia do espectador minutos depois ao se fragilizar de modo terrivelmente melancólico ao encarar os “olhos vazios” que antes serviam como “janelas da alma” de certo personagem. Concluindo sua jornada, Landau entrega sua história aterrorizante a Stern em uma conversa informal durante uma festa de casamento para, logo em seguida, abraçar e beijar sua esposa, num dos enquadramentos mais fortes que Allen jamais filmou (basta observar o olhar quase demoníaco de Landau ser substituído por um ar cansado e melancólico, mas feliz de certo modo).
Com um final absolutamente sombrio, cínico e desesperançoso em relação ao ser humano (o destino do professor cujo um dos documentários de Stern é baseado), o filme tem uma fotografia maravilhosa e muito sutil, além de figurinos pontuados por pequenas arestas, tanto em seus desenhos como em suas estampas, além de uma direção de arte coesa e extremamente evocativa (o quadro que observa Stern comentar, com muita melancolia e uma dose de ironia e incredulidade, um episódio escatológico ocorrido com sua irmã). Muito bem escrito e dirigido por Allen, este filme serviria como uma espécie de laboratório fundamental para outro maravilhoso projeto que o cineasta apresentaria anos depois: Match Point. Resumindo, esse filme é muito foda!
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