“Eu te amo Sera...”
Em uma das primeiras cenas de Despedida em Las Vegas, o diretor Mike Figgis utiliza-se de uma sensacional elipse para nos indicar a gravidade do estado do vicio em álcool de seu protagonista, Ben Sanderson: em um primeiro momento, o acompanhamos em um bar, levando um copo de bebida à boca, no outro, enquanto dirige seu carro, Ben repete o gesto com uma garrafa inteira de vodka. Sem utilizar-se de uma exposição excessiva no roteiro através de diálogos ou flashbacks, Figgis em uma economia de imagens, ao apenas fundir esses dois planos em um mesmo movimento já nos alerta que este gesto se repete momentos a fio no dia-a-dia de seu protagonista, que já vê o copo/garrafa de bebida como uma extensão natural de seus membros superiores.
Ben é alcoólatra. Ele passa seus dias bebendo. Basta se distanciar um pouco do gosto do álcool que os tremores de abstinência tomam conta de seu corpo impedindo-o até mesmo de assinar um cheque. Ben bebe tanto que já nem lembra o porquê (“não lembro se bebo por que minha mulher me deixou, ou se minha mulher me deixou por que bebo”, diz a certa altura) e, para falar a verdade, isso já não importa mais. O que lhe interessa agora é se matar através de seu vicio e, para isso, dirige até Vegas munido de sua rescisão – foi despedido há pouco do emprego de roteirista, por conta de sua condição – para, em suas próprias palavras, “beber até morrer”.
No seu caminho, encontrará Sera, prostituta que quando não está entregando seu corpo aos clientes, o entrega ao cafetão, Yuri, que não raramente bate nela ou a corta (mas, “não no rosto”, segundo ele, por motivos óbvios). Sera também está em um caminho de autodestruição, como poderemos constatar em uma dolorosa cena ao final do longa.
Eles vão se apaixonar. Vão ficar juntos. Mas, ambos prometem não tentar mudar um ao outro. Serão apenas companheiros de fossa. Sabem que mesmo para duas pessoas que se julgam no fundo do poço, a companhia é bem-vinda. Mesmo para pessoas que escolheram acabar com a própria vida, a sensação de ter alguém para segurar a mão nos momentos finais é confortante.
Mike Figgis munido do romance de John O'Brien e das atuações espetaculares de seus protagonistas compõe em Despedida em Las Vegas um dos mais melancólicos longas já filmados.
Permeado com os mais tristes blues e com a bela fotografia que utiliza-se da famosa luminosidade neon de Las Vegas para realçar seu clima melancólico, o longa de Figgis é também um dos mais belos retratos sobre a força do amor e a capacidade de duas pessoas se amarem não importando a situação:
Pode não parecer em certos instantes, mas o sentimento ente Ben e Sera não é apenas um fenômeno de identificação entre dois sujeitos solitários, carentes e em constante estado de fossa. É amor. Aquele amor que sorri junto aos corações apaixonados nos momentos de alegria – antes de atingir o estado mais critico de seu vicio, Ben e Sera se divertem, apesar de mesmo nesses momentos ele estar bêbado – e chora junto na tristeza.
“Você irá me amar
Como ninguém me amou
Faça chuva ou faça sol
Felizes junto infelizes junto
Isso não será legal
O dia pode estar nublado ou ensolarado
A gente com ou sem dinheiro
Eu sempre estou com você
Eu estou com você faça chuva ou faça sol”
Os versos acima são cantados por B.B. King, um dos mais famosos nomes do blues americana, em “Come Rain Or Come Shine”, parte da trilha de Despedida em Las Vegas. Sua letra sintetiza o filme em poucas palavras: os protagonistas sabem que o final de sua história será feio, dolorido, “não será legal”, como canta King, mas querem estar lá um pelo outro. Afinal, por mais dissabores que possam ter, se amam.
Num dos melhores desempenhos de sua irregular carreira (o melhor estaria por vir, em Adaptação), Nicolas Cage mostra que por trás do sujeito histérico que participa de produções risíveis hoje em dia, tem um ator de largo alcance dramático. Não sabemos o porquê do vicio de Ben – nem nos interessa – mas, sabemos que o motivo está no sentimento triste que e Cage exibe no olhar, que mesmo focado, permanece sem brilho ou significados. Da mesma forma, a crueza que os efeitos do álcool são retratados por Cage, impressiona, ainda mais por na maioria das vezes, passar longe de seu característico over acting para alcançar esse efeito. Elizabeth Shue e Sera não são diferentes: a moça pode até exibir uma postura decidida e forte em certos momentos, mas basta fitar os olhos da atriz e perceber: ela está desabando. Ambos sorriem, mas querem chorar.
E não é difícil chorar ao assistir o final de Despedida em Las Vegas. Quando o casal protagonista têm a primeira noite de amor. Poucas cenas conseguem ser tão tristes. É romântica, afinal o casal está tendo sua primeira transa e percebemos que estão sentindo mais do que prazer, estão sentindo amor. Mas, é triste: é uma despedida. Ben não acorda pela manhã. Conseguiu o que foi buscar em Vegas. E muito mais: conseguiu a mão de Sera para segurar firme em seu último suspiro.
Nenhum dos dois está solitário agora. Ben pode ter morrido, mas ambos continuam ligados pelo amor (físico e emocional) da noite anterior.
Belo texto. Me chamou a atenção a estruturação em parágrafos mais curtos, o que não comprometeu em nada o bom conteúdo.
É sempre interessante ler suas produções, Pedro.
Valeu, Patrick 😁