François Truffaut, o público (mesmo atualmente) e Hitchcock nunca deram muita bola para Disque M para Matar (Dial M for Murder, 1954). Aqui, Hitch não mexe com a complexidade psicológica de seus personagens (como em Um Corpo que Cai e Psicose) ou os mantém em estado alerta (como em Janela Indiscreta). Como em Festim Diabólico (Rope, 1948) a matéria principal trabalhada é um tema, e não o uso dele como algum cenário para seu desenrolar, afinal os garotos da festa em ‘Rope’ o que mais são senão apenas instrumentos que levam a discussão final de uma ética ou pensamento? Por isso, a centralização em uma questão, um contexto, ele sim mais importante talvez, que suas personagens.
Com todo o espírito teatral, não apenas no desenrolar da história que passa praticamente apenas em um cenário, mas também pela sua montagem excessivamente teatral, onde Hitch utiliza enquadramentos para focalizar suas personagens. Provavelmente, a experiência – ainda que em fase experimental – do 3D permita com que saibamos o curioso uso de sua linguagem cinematográfica, onde o espectador se encontra próximo de objetos secundários, dando o senso adequado de uma profundidade. Aproveitando do recurso que tem, Hitchcock prende o espectador de maneira diferente de seus outros filmes, ao invés de induzir unicamente nas peculiaridades de cada um de seus personagens, transforma o tema trabalhado (no caso, o crime perfeito) em um jogo de diálogos praticamente idêntico ao de Rope, onde os olhares e conversas são mantidos pela naturalidade de atuações, batendo na mesma tecla inquietante de Charles (Antony Dawson) para Tony (Ray Milland) e para Mark(Robert Cummings), detetive Pearson (Patrick Allen) e por fim para Margot (Grace Kelly), entre chantagens, auto-confiança, egocentrismo implícitos aos personagens e explícitos ao espectador, estamos sempre vendo sujeiras e injustiças feita por argumentos falsos e convicentes, não chegando na em alguma crítica de fato a alguma ética ou situação, mas sim representando uma irônica visão sobre a hipocrisia aliada à tentação que por si só já torna incapaz a realização de um crime perfeito.
É de diálogos que é montado o filme, por pequenos erros que vem à tona, onde Hitchcock trabalha o nosso conhecimento sobre todos em tela, tornando o nosso conhecimento por completo mas o limite de interferência limitado, ao mesmo tempo em que fazemos tanto parte do filme, somos apenas cúmplices indiretamente. E é isto que segura Disque M para Matar, se tornando singular na filmografia de Hitchcock, por simplesmente nos dar o poder máximo de saber de tudo, mas nos colocando como parte integral do pequeno apartamento onde se desenrola a história. Assim, convoca uma inversão de papéis total no subconsciente imaginário de todos, onde assassino vira vítima e vítima vira assassino, dando um raciocínio diabólico que iremos lutar até o fim para reverter à fórmula, colocando-nos em uma posição essencial do filme.
Por ser um filme que saia tanto da zona de conforto de seu diretor, Dial M for Murder deixa excessivo o discurso de suas personagens mais do que devia, alcançando resultados mais irregulares do que feito em Rope, mas de linha narrativa semelhante onde usa o poder da atuação de todos para culpar e inocentar, julgamento a qual se revela eficiente, mas não muito duradouro, onde fica inevitável não colocar o posto do filme como mais uma história de crime convencional, que não resiste com o tempo, mas permanece firme em suas amarras praticamente até o fim.
Torna-se afinal o telefone, bolsas, chaves apenas objetos coadjuvantes, que não chegam a ser mcguffins, porém se sustentam um ao outro, dando uma dependência relativamente cansativa do espectador com a trama, não tendo uma linha mais sóbria e concreta capaz de agir e tornar ao espectador claro o que está sendo discutido. Porém, seria um grande equívoco, diminuir o filme totalmente por causa desses aspectos, o pensamento criminoso e rápido a qual é o discurso do filme permanece sólido, entendemos a busca que esta sendo feita e os fatos, porém acabamos fazendo parte de algo secundário na trama, alheio a ela com suas reflexões investigativas e da própria condição que se encontra o ápice de seus diálogos, que é a verossimilhança de arquitetação de um plano por um escritor de suspense (que por sua vez, revela a identidade de Hitchcock na direção) e um verdadeiro criminoso (você, eu e qualquer um).
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário