“Eu só queria que Riley fosse feliz...”
Ah, que saudade que eu estava da Pixar. Não que eu não goste (bem pouco) de Carros 2, (um pouco mais) de Valente e Universidade Monstros (desse eu gosto mesmo, apesar de achar um filme que por pouco não cai no esquecimento), mas já estava na hora de o estúdio que nos deu obras-primas como a trilogia Toy Story, Wall-E e Up – Altas Aventuras voltar com as histórias originais que encantam adultos e crianças - bom, pelo menos sempre encantaram esse adulto e criança que escreve. Que esse retorno seja com o ambicioso e sensacional Divertida Mente é só mais uma prova de que, quando querem, as mentes por trás do estúdio são geniais de verdade.
Ambicioso por que enquanto outros estúdios estão preocupados em colocar personagens coloridos e engraçadinhos em narrativas idiotas e que mal parecem fazer sentido – sim, falo de Meu Malvado Favorito e similares aqui -, ainda que divirtam uma parcela do público, Divertida Mente coloca personagens coloridos e engraçadinhos em uma narrativa complexa, criativa e que não teme apostar em cenas que, ainda que divertidas, revelam um peso dramático que dificilmente será totalmente absorvido pelas crianças pequenas. É um filme que pode até gastar os minutos iniciais em uma apresentação dos conceitos básicos do filme, deixando tudo bem exposto para o espectador, mas também é uma produção que não teme deixar outros subentendidos ou mesmo para a imaginação da plateia. Assim, é sempre fascinante acompanhar a pré-adolescente Riley e as emoções que dentro da sua mente controlam a personalidade da garota, Medo, Raiva, Nojinho, Tristeza e Alegria.
O filme então parte desse argumento para explorar três tipos de relações cuidadosamente desenvolvidas ao longo da narrativa: Riley e o relacionamento com seus pais, que parece se complicar cada vez mais quando a família se muda para São Francisco; as emoções entre si, sempre com a Alegria tentando manter tudo em ordem e, bem, alegre; e as emoções com Riley, óbvio. Se a dinâmica familiar da protagonista humana parece sempre revestida de carinho, mesmo quando a atmosfera pesa em uma discussão de partir o coração, em apenas um dos reflexos da vida real propostos pelo filme – ora, quem nunca passou por pelo menos metade do que o vemos na telona? -, podendo parecer mesmo clichê em alguns momentos – não é, que fique claro -, toda a aventura protagonizada pela Alegria e pela Tristeza ao tentarem recuperar algumas memórias da garota é das coisas mais corajosas feitas pela Pixar, uma celebração da importância da tristeza na nossa formação e, mais que isso, o quanto ela e a alegria dependem uma da outra, sempre se completando – e o momento em que a Alegria descobre isso é daquelas coisas mágicas com as quais o estúdio nos acostumou e nos fez sentir falta nos últimos anos.
Dirigido por Pete Docter e seu talento habitual (são dele Monstros S. A. e Up – Altas Aventuras, duas das melhores obras da Pixar), além do estreante em longas, Ronaldo Del Carmen (que comandou o curta A Missão Especial do Dug, do universo de Up), Divertida Mente revela um universo tão rico e criativo quando era de se esperar do estúdio em seus melhores dias, jamais deixando nada a dever para o mundo de Toy Story ou a Monstrópolis de Monstros S. A.. Contando com sua versão própria de como se forma nossa personalidade, preferências pessoais e de como lidamos com os conflitos de emoções tão presentes em nosso dia a dia, a produção ainda impressiona por buscar uma representação para como funcionam nossas memórias, sonhos e mesmo como uma música irritante gruda em nossas mentes. Como se não bastasse, o filme sutilmente sugere a questão da identidade de gênero em formação na juventude ao trazer as emoções de Riley divididas entre figuras masculinas e femininas enquanto podemos ver as de seu pai totalmente masculinas e as de sua mão totalmente femininas.
Essa oportunidade de nos deixar conferir a mente de outros personagens, ainda que o foco seja a de Riley, rende momentos inspiradíssimos à produção, como a maneira como as mentes do pai e da mãe da garota reagem a cada gesto um do outro e, claro, as piadas enfileiradas durante os créditos finais, que nos permitem adentrar até mesmo um gato e um cachorro. Menos inspirada é a trilha sonora de Michael Giacchino que, apesar de ótima, jamais consegue criar um tema realmente marcante como suas contribuições em Up e Ratatouille.
Precedido, como de costume nos filmes do estúdio, pelo adorável curta-metragem musical Lava, que não precisa de muito mais do que um trocadilho inspirado para levar o cinema abaixo, Divertida Mente, como em todos os grandes filmes da Pixar continua para além dos créditos finais, nos mantendo tão imersos em seu universo que é difícil não pensar nos rumos que os personagens tomarão a partir do final do filme, criando em nossas próprias mentes a continuidade daquela história. A diferença é que dessa vez conseguimos imaginar também como as emoções em nossas mentes estão fazendo isso.
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