A MAIS BELA ESTÓRIA DE AMOR JÁ CONTADA
A fidelidade com que o excelente diretor Francis Ford Coppola adaptou o clássico da literatura britânica Drácula, de Abraham “Bram” Stoker não só impressiona como também encanta até os dias de hoje. Toda a meticulosidade e a riqueza de detalhes conferidos pelo diretor dão a essa obra prima um charme sem igual, fazendo com que Drácula de Bram Stoker seja um dos filmes mais belos de todos os tempos, seja na beleza ímpar da decoração dada por Garrett Lewis aos cenários e dos figurinos (vencedores do Oscar pelo memorável trabalho de Eiko Ishioka) ou na esplendorosa fotografia de Michael Ballhaus, que destaca muito bem as coloridas manhãs nos floridos jardins das mansões luxuosas pertencentes às tradicionais famílias britânicas (onde Mina e Lucy desfrutam das amenidades da juventude) em contraste com as nebulosas tardes londrinas (que na presença do Conde ganham um aspecto ainda mais sombrio).
Toda essa perfeição no que diz respeito à ambientação favorece demais o trabalho do já talentoso elenco, de onde se sobressai um nome em especial: Gary Oldman. Ignorado pela Academia até pouco tempo, quando recebeu sua primeira indicação ao Oscar por O Espião Que Sabia Demais, mesmo com tantos trabalhos memoráveis na carreira, como a Letra Escarlate e Hannibal, Oldman compõe um Conde Drácula perfeito, atraente, magneticamente charmoso e carismático, apaixonante (como não se render ao personagem na cena de Drácula chorando ao ler a carta de despedida de Mina e gritando “winds!”?) dominando inteiramente seu personagem e suas cenas, tomando o filme total e completamente para si. Seu Drácula é bonito, romântico e empírico, mas nem por isso menos assustador, sendo quase impossível desassociar o intérprete do resultado final da obra. É unânime que sem a magnífica interpretação de Oldman, Drácula de Bram Stoker ainda seria um filmaço, mas com certeza estaria alguns degraus abaixo do que de fato é. O contrário também é verdadeiro. A atuação impecável de Oldman eleva o nível da obra e a coloca em um pedestal de superioridade.
Em contrapartida à impecável interpretação de Gary Oldman temos o astro Keanu Reeves. Sua inexpressividade habitual não se encaixa na situação desesperadora à qual Jonathan Harker, seu personagem, se encontra. A postura desleixada do ator até funcionou bem em filmes como Matrix e Constantine, pois os personagens assim pediam. Jonathan Harker exige maior carga dramática e empatia junto ao espectador, para que não torçamos para Drácula e sim para ele, o verdadeiro mocinho da trama. Com Reeves no papel, simplesmente Drácula toma a dianteira de anti-herói e o espectador compartilha de seu sofrimento e ressentimento. Como não se comover com tamanha paixão e devoção? Como não torcer para que o Conde e a reencarnação de sua amada fiquem juntos por toda a eternidade? Um servo fiel de Deus traído por sua própria fé e uma princesa apaixonada vítima da mentira dos homens são, de fato, um mote atrativo demasiadamente convincente. Reeves é um dos poucos pontos fracos do filme.
Entre estes dois extremos encontra-se a poderosa figura de Sir Anthony Hopkins e seu excêntrico Professor Abraham Van Helsing, médico e filósofo estudioso das artes obscuras que por anos a fio persegue rumores sobre a existência do Conde. O ator galês, reconhecidamente um exímio intérprete, confere a dignidade necessária a um personagem difícil, evitando que este caia no descrédito junto ao público. O olhar penetrante e frio de Hopkins - vindo de sua histórica atuação em Silêncio dos Inocentes - e sua habilidade singular com textos peculiares ajudam a compor uma espécie de paladino satírico na luta contra as forças das trevas. E é desse embate que provem uma das grandes forças da estória de Drácula, que é sua dualidade. O amor de Drácula por Elisabeta/Mina (Winona Ryder) é tão forte, tão profundo e tão bonito, que além de atravessar os limites do tempo, rompe também a barreira do convencional faz com que o monstro seja também a vítima da mesma arma usada por Van Helsing para combatê-lo: a fé. Assim sendo, o que impediria que o próprio Van Helsing viesse a se tornar o próximo Senhor das Trevas?
De tão fiel à obra original, Drácula de Bram Stoker é quase uma peça teatral em sua essência, sendo esta uma das melhores adaptações já feitas para o cinema (muito graças ao trabalho do roteirista James V. Hart, que não deixar de ser citado) e um dos melhores filmes de Coppola (na verdade, fica muito próximo de Poderoso Chefão I e II). A direção fenomenal de Coppola (que só aderiu ao projeto por este ter sido levado ao seu conhecimento por Winona Ryder, pois originalmente seria um telefilme) garante momentos únicos desde a primeira cena, onde vemos a Santa Cruz no alto de uma catedral na Constantinopla sendo envolvida por uma misteriosa e sinistra névoa, já sob os primeiros acordes da magnificamente impactante música composta e tocada por Wojciech Kilar. A emblemática cena onde acompanhamos Draculea dizimando e empalando inimigos turcos em batalha, em plena aurora, é de uma sensibilidade e de uma visão muito aguçadas por parte do realizador e do diretor de arte Andrew Precut. De mesmo modo, o trabalho feito com a sombra de Drácula, sempre se movendo de modo independente, é impressionantemente perturbador, como se tentasse nos conduzir a adentrar fisicamente na trama. Para tal, o trabalho de iluminação precisaria ser muito bem feito, e acaba sendo. Eu diria até que é perfeito. Assim como é preciso ressaltar o trabalho de Roman Coppola nos efeitos especiais que, se hoje causam certa estranheza nas cenas em que o computador foi bastante usado (como a da névoa verde, por exemplo) ha quase 30 anos eram bem vistos. Porém há de mencionar um pequeno erro coletivo em uma cena específica. Quando Reinfield (Tom Waits) ataca o Dr. Jack Seward (Richard E. Grant), ele morde o lado direito de seu pescoço e o doutor leva a mão ao lado esquerdo. Um pequeno ato falho que não desmerece em nada a obra, mas que não passa desapercebido.
Porém, toda esta fidelidade acaba gerando certa estranheza por parte de espectadores pouco familiarizados com a obra, pois algumas cenas e falas parecem deslocadas à primeira vista, como a ótima cena de Drácula e Lucy no jardim ou os diálogos de Reinfield no manicômio, mas com certeza inspirou o elenco a se entregar de corpo e alma ao projeto. A carruagem do Conde, as formas ilógicas de seu castelo - que visto de longe lembra um homem sentado em um trono -, as chamas azuis da Transilvânia e suas constantes mudanças de aparência instigam o espectador a buscar o romance de Bram Stoker para encontrar maiores explicações.
Injustiçado ao não ser indicado nas categorias de Melhor Ator (Gary Oldman) e Melhor Trilha Sonora e até mesmo Melhor Ator Coadjuvante (Hopkins), Drácula de Bram Stoker recebeu a estatueta nas categorias de Melhor Maquiagem, Edição de Som e Figurino. Muito pouco para tudo o que este filme representa. O considero uma obra-prima, dada a meticulosidade com que foi elaborado e a maneira fabulosa como é conduzido por Francis Ford Coppola, um diretor que viveu tantos altos quanto baixos na carreira, mas que possui um estilo forte e bastante agradável ao contar uma estória. E Drácula não é uma estória qualquer. É simplesmente a maior e mais bela estória de amor já contada.
Odiar o cara que foi responsável por filmes como o Poderoso Chefão é coisa de gente insana. E sobre o Keanu Reeves, não acho ele o péssimo dos péssimos não. Mas devo concordar que no Drácula ele só serviu mesmo para a cena em que a Mônica Bellucci aparece semi-nua, afinal sem ele lá a cena nem existiria.
Ja li em algum lugar que Reeves ja foi considerado um dos melhores interpretes de Hamlet no teatro norte-americano. Fiquei perplexo.
Bela crítica!
Obrigado, Gian!😁