''O poder da imagem sob aquele que à vê em toda sua magnitude.''
Drive é tipo de obra que raramente passará despercebida por aquele que à assiste, pois há tanta coisa ''jogada'' na tela que ficamos vidrados. As vezes de uma forma lenta, as vezes freneticamente, ou em alguns momentos esperamos algo acontecer e só vemos um gesto, um olhar. Ao final é quase impossível ficar indiferente perante aquilo que se vê. Nicolas Winding Refn já era um diretor que chamava a atenção da indústria cinematográfica, pois já havia dirigido a trilogia ''Pusher'' que chamou a atenção pelo alto teor de violência, e como era explicitamente mostrado, e também pelo recente ''Bronson'', que arrancou uma brilhante atuação de Tom Hardy (sua melhor da carreira por enquanto).
Drive começa de uma maneira um tanto quanto diferente de outros filmes do gênero, pois após uma rápida apresentação ao espectador do que o Driver faz, o mesmo demora quase 10 minutos para falar uma única palavra. Não, ele não fica fora da tela, ele está lá, presente, apenas com gestos e olhares e isso por si só já chama a atenção, pois já temos uma prévia sobre o quão grande é o poder da imagem em tal obra. O 1º ato é algo quase indescritível. Tudo ali é sensação, sentimento, as palavras não estão presentes ali simplismente pelo fato de não precisarem estar. As imagens são esplêndidas, o jogo de luz e cores eleva o filme a um nível de experiência além de algo apenas comum, tornando aquele momento algo sensorial. Enquadramentos nas expressões de nosso protagonista enquanto ele não fala absolutamente nada em uma situação pra lá de tensa, e coadjuvantes sem nome, expressões e atitudes se mostrando mais importantes que uma simples denominação. Após esse 1º ato que beira o genial, continuamos sendo apresentados a vida do protagonista, que mora sozinho, aparentemente não tem parentes e nem namorada, tem apenas o patrão Shannon (Bryan Cranston) como amigo mais próximo. Num supermercado, ele vê a moça da qual é vizinho (o mesmo acabou de se mudar para L.A), e quase vai falar com ela, porém hesita, abaixa a cabeça e vai para o outro corredor ouvindo apenas a conversa da moça com o seu filho. Fica claro o talento de Gosling após tal cena. Na oficina onde trabalha, o Driver é apresentado por Shannon à Bernie Rose (Albert Brooks) e a Nino (Ron Perlman), dois gângsteres que tem negócios com Shannon.
Após uma rápida conversa entre Bernie e o Driver, fica claro que o protagonista é um homem sem nome, sem vez, sem vida própria. Ele é aquilo que faz, e muito bem por sinal. Um homem sem sonhos, sem perspectivas, e isso nos é mostrado através de seu(s) trabalho(s) e de sua vida pessoal (que não existia antes de conhecer a vizinha Irene). Após se envolver com Irene (Carey Mulligan) e seu filho Benicio (Kaden Leos) casualmente, o Driver acaba se apaixonando pela moça, e num passeio de carro com os 3 somos brindados com uma das mais singelas e lindas cenas do cinema atual. O Driver, Irene e Benicio, passeiam de carro em meio ao sol se pondo, e vão a um lago. Nesta cena, nesta única cena, podemos ver o introvertido protagonista sorrir de verdade, de uma maneira absolutamente sincera. Após isso, o mesmo sente-se obrigado à ajudá-los, pois o marido de Irene, Standard Gabriel (Oscar Isaac) acabou de sair da prisão e deve dinheiro aos bandidos que o protegeram lá dentro.
Depois de uma série de acontecimentos, somos apresentados a um outro lado do protagonista, e essa mudança nunca soa falsa ao público que assiste. Ele agora busca redenção, e ao mesmo tempo, vingança. E é nessa situação de vida ou morte, que nos é mostrado mais uma vez o talento único de Winding Refn como diretor. Em outra bela cena, agora em um elevador, em menos de 2 minutos somos levados do romance a violência, do amor ao ódio, do lirismo a repugnância. Confesso nunca ter visto algo parecido. O 3º ato, já com o Driver desolado, nos mostra que não há um caminho certo ou errado à ser seguido por um homem que nasceu para não ser ''ninguém'', um nulo na sociedade que o cerca. A cena final intercalada entre o dinheiro, o corredor e a estrada, é simbólica, nos mostra que as vezes as pessoas são capazes de sentir sim, porém são obrigadas a se afastar, para o bem da outra. Um herói de verdade é revelado ali.
A estética do filme é de se destacar, pois é incrivelmente única. As imagens noturnas de Los Angeles são lindas, o contraste de cores muito bem feito, as expressões do protagonista se encaixando perfeitamente com as mudanças de tonalidade do ambiente, enfim, tudo minuciosamente feito pelo diretor. Más no dia também há uma bela fotografia, principalmente no passeio de carro no vale, em pleno pôr do sol. A trilha sonora também merece grande destaque. Diferente de tudo visto por ai, é incrível como ela é bem utilizada pelo diretor. Composta na maioria por músicas de Cliff Martinez, com certeza após os créditos finais ela não sairá tão cedo da sua mente. Desde a música inicial, até a do passeio no lago, a trilha de suspense, tudo é colocado de uma forma extremamente coesa, ao ponto de parecer que um foi criado em prol do outro, a cena só se torna completa com a música, e vice-versa.
O elenco está impecável. Ryan Gosling interpreta um personagem introvertido, difícil de se fazer pois não há tantas falas para que o público se identifique com ele. Porém Gosling nos entrega sua melhor performance da carreira (o que não é pouco), com no mínimo uma dúzia de cenas memoráveis. Um exemplo é a cena da qual ele está com a máscara de dublê parado, com uma linda música clássica ao fundo, enquanto observa o homem que terá de matar logo após. Uma cena de encher os olhos realmente. Suas expressões sempre nos remetem à algo ou alguém. A cena da lanchonete em que ele atua apenas com os olhos em sua total maioria, é também incrível. Seus gestos lentos são de uma sensibilidade sem igual, e sim, o público torce pra ele a cada cena. Bryan Cranston também está muito bem na pele de Shannon, ele nos mostra em seus diálogos e até no seu olhar, um grande receio em quebrar qualquer regra, pois já sofreu as consequências de fazer algo errado. Ron Perlman vive Nino, um gângster que sempre exala ''palavrões'' por assim dizer, e é sempre muito marcante quando está em tela. Carey Mulligan é a mocinha da história, numa atuação também muito boa ela nos passa todos os sentimentos de sua personagem de uma forma muito sincera, uma atuação doce e extremamente segura. E por último mais não menos importante, Albert Brooks, em grande, grande atuação mesmo. Brooks está absolutamente fantástico na pele de Bernie Rose, um gângster que não mede esforços para conseguir o que quer, e passa por cima de qualquer um que estiver em seu caminho. Eu sei, parece clichê, más assista ao filme e note a presença do mesmo em tela e quais as reações dos outros personagens próximos à ele, dificilmente você discordará da minha opinião, até porque é uma aula de atuação por parte de Brooks.
Mais é do diretor o maior mérito do filme com toda certeza. Ele retira de um roteiro até simples (porém eficiente), uma trama que faz o espectador sentir toda a pulsação que o filme transmite, grudar os olhos naquilo que está vendo, olhar cada vez mais atento, ele faz você ''entrar'' em tal obra com suas imagens impactantes e trilha sonora delirante. Uma direção enérgica, que ainda sim encontra espaços para reflexão, câmera lenta em cenas de ação extrema, após, antes, de todas as formas. Os enquadramentos nas expressões dos personagens, algo que ocorre com todos (TODOS), são feitos com maestria, assim como o vigor estético apresentado no filme. As mortes são filmadas de um maneira peculiar, claramente um estilo próprio de filmar de Refn, e todas elas feitas com extrema excelência. As que ocorrem no restaurante e no elevador são sensacionais, incrível como Refn coloca a repugnância e o lirismo lado a lado em uma delas. Merecida a vitória como melhor diretor em Cannes, fez de um filme que poderia ser apenas ''mais um'' na mão de um diretor sem ousadia, um dos grandes à serem lembrados pelas próximas gerações. Um sopro de originalidade é sempre muito bem-vindo para o cinema atual. Aqui o que se vê de fato é ''cinema de ação de autor'', e dos bons. Infelizmente o filme é mais um pra entrar na lista de subestimados, ou incompreendidos por muitos que o julgam de ser vazio, dentre outras afirmações das quais obviamente eu não partilho a opinião. Enfim, com o tempo veremos se sua qualidade é realmente digna da grande atenção que ele chamou pra si. Uma frase encaixaria-se perfeitamente ao final da película. Repare na blusa do protagonista (nela há um grande escorpião), muitas vezes a blusa é focada pelo diretor. Não é gratuito, a parábola pode-se dizer que é quase citada explicitamente, sem palavras é claro, apenas com gestos, olhares. Tudo faz sentido no fim.
''Eu sou um escorpião, essa é minha natureza.'' - Driver, A Real Hero.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário