Eric Rohmer, um dos mais célebres cineastas e críticos de cinema franceses de todos os tempos, costumava dizer que todo bom filme é, também, um documento de sua época.
Nesse sentido, é curioso ver como "Baby Driver" é um passo em falso na filmografia de Wright, um dos realizadores que, mesmo escrevendo suas personagens no limite da caricatura, melhor retratou em tela o perfil do homem da "pós-história", sem jamais precisar de arroubos dramáticos e discursivos, especialmente nos ótimos "Shaun of the Dead" e "Scott Pilgrim".
É que, aqui, a figura do herói não é a do slacker ou do homem alienado que se vê forçado a tomar ciência de sua situação e agir para vencê-la. Ao contrário, Wright aposta numa narrativa mais tradicional, com um arco de tomada do caminho da virtude pelos laços afetivos, em geral, e pelo encontro de um interesse amoroso, em específico, o que, embora seja funcional e confira universalidade e um certo charme à narrativa, retira sua relevância temática, principalmente por adotar uma polidez moral estranha à carreira do britânico e comum à geleia geral do cinema norteamericano - é particularmente incômodo ver como o roteiro insiste em deixar claro que o protagonista é "puro" e "não pertence àquele mundo".
Curiosamente, por outro lado, "Baby Driver" é certamente o trabalho mais maduro de Wright em termos de linguagem e estética.
Se os raccords e as gags visuais e sonoras característicos dos outros filmes do diretor ainda se fazem presentes - a grande sacada da vez, vale dizer, é a forma como Wright brinca com a diegese/não diegese da trilha sonora -, isso se dá de maneira mais balanceada, dividindo espaço com alguns ótimos planos sequência e travellings, o que confere mais suavidade visual e, consequentemente, mais fluidez narrativa ao filme.
Se as referências a gêneros clássicos do cinema continuam a existir - há, logo de início, duas belas cenas, uma que remete aos filmes de assalto e uma que homenageia os musicais clássicos -, "Em Ritmo de Fuga" soa menos como um filme de nicho do que seus predecessores, encontro sustentação própria em sua dramaturgia.
Da mesma forma, ainda há pontas de humor anárquico no texto, mas elas são dosadas com um peso dramático nunca antes experimentado no cinema de Wright - e introduzido na medida certa, diga-se.
Por tudo isso e por outros motivos, certamente haverá quem enxergue "Baby Driver" como o melhor filme de Edgar Wright. Eu, embora tenha curtido bastante e siga achando ele um dos autores mais interessantes do cinema atual, ainda fico com aquele Wright mais imaginativo e porralouca e menos moralmente ligado às narrativas padrão.
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