Existe, no modo de vida pós-moderno, um paradoxo. Ao mesmo tempo em que mais do que nunca estamos ligados, tão conectados, estamos mais sós. Isso é um mal novo. A depressão é a doença do século XXI. Hoje, uma pessoa pode viajar para o outro lado do globo me menos de um dia. Pode conhecer alguém pela internet que mora a dezenas de milhares de quilômetros. Pode morar em mega centros urbanos com dezenas de milhões de habitantes. Ter mais de mil amigos em seus perfis na rede social. Mas, ao mesmo tempo, essa pessoa pode ficar depressiva justamente por se sentir só. Essa é a abordagem de “Encontros e Desencontros”.
Sofia Coppola não teve uma carreira muito notável como atriz. Sua atuação (?) mais lembrada é a da filha de Michael Corleone no terceiro filme da trilogia dirigida pelo seu pai Francis “O Poderoso Chefão”, o menos aclamado dos três, tendo, justamente, na sua atuação como um dos pontos mais criticados da película. Resolvendo então se aventurar como diretora, ela vem conseguindo um ótimo reconhecimento, rendendo-lhe, em “Encontros e Desencontros” o Oscar de pelo roteiro.
Como já foi dito do primeiro parágrafo, o filme trata do contraditório isolamento que a globalizada sociedade atual causa. E nada melhor para o cenário dessa abordagem no que a capital japonesa, Tóquio, o maior centro urbano do mundo. Logo quando o protagonista Bob Harris (Bill Murray) chega na cidade já sentimos essa impressão. Prédios enormes, quase amontoados, cheios de luzes piscando. Chega a ser claustrofóbico. O fato de Harris, um ocidental, começar a cena acordando dentro de um carro e contemplando a “Capital do Leste” mostra bem que ele estava acordando em outro mundo, em outra realidade. Na sua chegada no hotel essa diferença fica ainda mais clara, quando ele fica desnorteado com o modo como os japoneses lhe dão as boas vindas. Essa sequência é seguida por uma realmente interessante: Bob está em um elevador abarrotado de gente (assim como Tóquio), mas logo dá para notar como ele se destaca entre os baixinhos nipônicos. Mesmo estando em um lugar apertado e cheio de gente, ele ainda está deslocado. Essa cena é uma analogia ao modo como ela está isolado nesse momento. E esse isolamento não está necessariamente relacionado ao choque cultural, embora Coppola (acho que já podemos chamá-la só pelo sobrenome, ela vem se destacando mais que o pai mesmo) use isso como uma espécie de atenuante. Ele é um ator que já foi grande no passado, mas não consegue fazer mas nenhum grande trabalho nos últimos tempos. Está vivendo uma crise das grandes, atravessando o mundo somente para fazer uma propaganda de uísque. Em uma situação dessas, o cara poderia estar em qualquer lugar do mundo que não conseguiria melhorar o seu ânimo. Aliás, isso é algo bem interessante no filme: a atuação de Bill Murray. Quase em todo o filme, Bob Harris está com uma cara que é um misto de cansaço e de “eu já estou de saco cheio disso tudo”. Mostra bem o desgaste do seu personagem. Ele só fica com uma cara um pouco mais alegre quando está na companhia da personagem interpretada por Scarlett Johansson, Charlotte.
O modo como Charlotte é apresentada no filme é bem diferente do de Bob, embora ainda possuam a mesma essência. Enquanto Bob contempla Tóquio nas ruas, vendo uma cidade claustrofóbica e barulhenta, Charlotte aparece pela primeira vez no filme (ou pelo menos o seu rosto...) observando a cidade pela janela do hotel. Observando de lá, Tóquio parece gigante. Simplesmente não dá para alcançar os limites da cidade com os olhos observando o horizonte. E ela está lá em cima, sozinha, contemplando a maior cidade do mundo. Duas visões diferentes de um mesmo cenário, mas a sensação é a mesma.
No primeiro encontro entre os dois protagonistas, o espectador logo nota que eles reconhecem na hora que estão no mesmo barco. Tudo muda quanto estão juntos. Como já foi dito acima, a feição cansada no rosto de Bob muda quando ele a vê. Um detalhe curioso: mesmo sendo casado, ele não aparece utilizando um anel de casamento. Aliás, no flme, a sua esposa não dá as caras. Ela apenas fala com ele no telefone. Isso demonstra bem como está o casamento do frustrado ator. Já o relacionamento de Charlotte com o seu esposo fotógrafo pode ser resumido em uma cena: quando ele está viajando, ela acha, entre as suas coisas, umas fotografias suas com ela. Nessas fotos, Charlotte está sempre olhando para ele que, por sua vez, está olhando para a câmera. Um relacionamento gélido, como todas as cenas em que Charlotte está sozinha no apartamento, observando de cima as dezenas de milhões de pessoas que moram na capital japonesa. Só possui momentos acalorados na presença de Bob. Outra analogia interessante do filme: no primeiro diálogo, quando eles pela primeira vez estão um pouco felizes, eles ficam de costas para Tóquio. É disso que o ser humano do século XXI precisa. Reconhecer que, para não ficar isolado, não é necessário tentar ficar conectado com milhares ou milhões de pessoas. E sim notar que basta só uma pessoa ser especial para mudar completamente a sua vida.
Texto maravilhoso, que condiz com a grandiosidade e sensibilidade desta obra-prima do cinema moderno.
Excelente texto para um filme muito bom... E olha que eu tinha preconceito com diretoras, kkkkkkk
Obrigado pelos elogios😁
Que lindo texto, gostoso de ler...