O bar está aberto. Nele, encontra se um refugio quase profano para os viventes da noite. As mulheres, embora nem todas bonitas, esbanjam sensualidade, através do show de luzes, não fortes, mas escuras, vermelhas, que realçam seu rebolado. De um lado, Fox (Christopher Walken e sua típica dancinha), do outro X (Willem Dafoe), com olhares pálidos, mas descontraídos e relaxados sobre a boate, até o momento em que o “véu negro” que encobre o palco revela Sandii (Asia Argento).
Essa primeira cena, que inaugura o filme de Ferrara, parece já sintetizar em poucas imagens (sim, imagens, pois Enigma do Poder [New Rose Hotel, 1998] é um filme essencialmente cinematográfico), uma linguagem. Em Miami Vice (Idem, 2006), Michael Mann nos apresenta Rico e Sonny praticamente da mesma maneira, embora haja na balada de Mann tom e cores diferentes, Fox e X são quase como Rico e Sonny, guardada as devidas proporções. São homens perdidos, deslocados em meio a musica, a sedução, que se preservam, mas não conseguem dominar seus instintos por completo. Por isso, a balada onde se refugia os vampiros representada em Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013), de Jim Jarmusch, parece contextualizar ao lado de Ferrara e Mann, esse mesmo gesto da decadência, de letargia, independente das cores, sons e tempos.
Diferentemente da inserção do surrealismo de Lynch, onde se constrói uma linha de raciocínio que se quebra ao meio em certa parte da narrativa, Ferrara inicia seu filme já picotado, fraturado praticamente, não através da história em si, mas de sua própria estética, de sua apresentação, que nem nos dá tempo para saber onde estamos, quem acompanhamos, o que estamos fazendo. Fox e X são obcecados pelo próprio trabalho, não pela questão de dinheiro como afirma um deles, mas sim pela ação, são criaturas famintas que vivem através do desejo de chegar no limite.
Mas afinal quem são Fox e X? Fox e X são incógnitas que não precisam ser reveladas para Ferrara, são espiões não apenas no trabalho, mas espiões como um todo, são figuras camufladas, que dispensam apresentações, que precisam ser descobertas pelo próprio espectador – o verdadeiro infiltrado, afinal – mais até do que Hiroshi (Yoshitaka Amano), homem a qual eles desejam tanto tirar dos negócios. Sandii apesar de ser o objeto de sedução, hipnótica, é apenas mais uma dentro do grande enigma proposto por Ferrara. A única coisa que temos o direito e necessidade de saber, é que se trata de um jogo de disputa de poderes e sedução.
O que querem esses homens nesse jogo? Os personagens de Ferrara em Enigma do Poder (New Rose Hotel, 1998) não são apenas espiões, chefões, prostitutas e tudo mais que esse meio reserva, mas indivíduos gananciosos, que se arriscam e explorados por Ferrara e sua câmera suja em meio, não mais de Nova-York – lugar onde tanto seus personagens já habitaram e não mais suficientemente perigoso – mas um mais desconhecido agora, no oriente.
Se em Brother – A Máfia Japonesa Yakuza vai à América (Brother, 2000), Kitano explorava o “novo” que para a Yakuza seria o contrário, o ocidente, Ferrara faz o mesmo, coloca na reta de seus personagens um novo mundo para viver, outra atmosfera, outro tempo. Não atoa, a brincadeira que já existia mais tímida, mas não com menos força, com as cores em certa parte de O Rei de Nova York (King of New York, 1990) e Sedução e Vingança (Ms.45, 1981), aqui é potencializado. Assim como Dario Argento revela na sua lente a loucura e medo através do diferente, do desconhecido, do novo lugar onde Suzy (Jessica Harper) iria aprender balé em Suspiria (idem, 1977), Ferrara – afinal New Rose Hotel não deixa de ser um filme de terror ao modo de seu autor – compõe também através das luzes e cores diferentes, um inferno e um refúgio.
Enigma do Poder (New Rose Hotel, 1998) e de um modo mais geral a obra de Ferrara, faz como Polanski fez em seu último filme, A Pele de Vênus (Le Vénus à Fourrure, 2013) e Coisas Secretas (Choses secrètes, 2002) de Brisseau, uma espécie de ensaio sobre o poder e a sedução da mulher. O homem e a mulher, que na linguagem mais feroz e menos romântica de Ferrara, torna-se um vício do outro, sua droga, seu prazer carnal, seu martírio e principalmente a razão de seu viver.
Se você tem vergonha dos seus Francisco eu então mais ainda. Muito bom mesmo o Texto Ricardo.
Não acho esse filme nem a pau pra assistir!😢 Belo texto caro Ricardo!
Muitíssimo obrigado, amigos! Não sei porque o Darlan e o Francisco tem vergonha, seus textos são ótimos. Caio bela interpretação, obrigado pelo comentário. 😉
Acho que você tá falando de outro Darlan Ricardo haha. Meus textos são fracos, principalmente na ortografia erro demais no quesito pontuação tenho que melhorar bastante isso.